O retorno para as prisões do Rio Grande do Sul de líderes de organizações criminosas transferidos para penitenciárias federais em 2017 e 2018 tem refletido no recrudescimento da violência em comunidades onde ainda exercem influência. De volta ao sistema prisional gaúcho, retomam a comunicação com o mundo externo, estreitam laços com comparsas e passam orquestrar novos crimes. Isso dentro de um cenário em que precisam reafirmar o posto de comando e conquistar novos territórios para venda de drogas, expansão que tem resultado também em assassinatos e disputas sangrentas, em especial na Zona Leste e na região das ilhas, em Porto Alegre.
Pelo menos três líderes que voltaram já aparecem em investigações recentes da Polícia Civil e impactam na criminalidade da Capital: Luis Fernando Soares Júnior, o Júnior Perneta, apontado como líder dos Bala na Cara, que foi para o sistema federal em novembro de 2018 e voltou em dezembro de 2019. Integrante do mesmo grupo, Rafael Telles da Silva, o Sapo, saiu do RS em novembro de 2018 e está de volta desde dezembro de 2019. Ainda há a volta de Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, que chefia organização rival e estava em penitenciária federal desde 2017 e retornou em junho do ano passado.
Segundo a Polícia Civil, Perneta não só gerencia diretamente o tráfico de drogas de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), como tem voz de comando em homicídios e faz, por videochamada, a avaliação das pessoas que vão ingressar no seu grupo criminoso.
— Eles retornam com o mesmo intuito de continuar as mortes por mais que eles saibam que por terem provocado essas guerras, especialmente de 2015 a 2017, acabaram sendo transferidos para o sistema federal — afirma o diretor de Investigação do Departamento de Homicídios, delegado Eibert Moreira Neto.
Com o retorno dessas lideranças, eles voltam a se fortalecer, têm a necessidade de mostrar que estão de volta para que seu domínio não seja questionado. Querendo expandir seu território e salvar o prejuízo econômico no período que estavam fora. E isso tem acirrado as disputas, a tentativa de retirar as lideranças locais que cresceram durante sua ausência.
VANESSA PITREZ
Diretora do Departamento de Homicídios
Investigação da corporação conseguiu comprovar que Perneta esteve envolvido na ordem de homicídios de pessoas da própria facção. Uma delas é de um jovem que traficava para o grupo na Bom Jesus e, por conta própria, teria resolvido vender drogas no Jardim Carvalho, sem avisar a facção. Acabou torturado por colegas. Por acharem que estava morto, abandonaram o corpo. Sobreviveu e, em depoimento à polícia, contou que entrou no grupo após uma entrevista por vídeo com Perneta.
Com berço na Bom Jesus, na Zona Leste, o grupo de Perneta tomou a área vizinha, no Jardim Carvalho, entre 2015 e 2016. Na época, traficantes locais foram expulsos da região. Agora, os antigos moradores tentam retomar a área com apoio do grupo liderado por Nego Jackson, que se autodenomina Anti-Bala. Palco da disputa, o Jardim Carvalho chegou a ter 10 homicídios em 44 dias – seis mortes registradas num período de 48 horas entre final de janeiro e início de fevereiro.
— Aconteceram dois triplo homicídios em sequência. Temos informações fidedignas de que houve apoio do grupo liderado por Nego Jackson. Pela nossa compreensão, não há dúvidas de que ele está tendo interferência nessas mortes — afirma Eibert.
O alerta na polícia
Após ter fechado 2020 com redução de 18,6% nos assassinatos em Porto Alegre, a onda de violência disparou o alerta nas autoridades e motivou a Operação Contrição. Em 22 de fevereiro, foram o cumpridos de sete mandados de busca e apreensão e 16 de prisão, inclusive nas cadeias. Um deles, foi no pavilhão H do Presídio Central e apreendeu 80 celulares:
— Quando eles voltam, retomam totalmente a comunicação com seus subordinados, e isso começa a refletir no tráfico e nos homicídios — considera Eibert.
Ao prender um dos envolvidos nos homicídios do Jardim Carvalho, a polícia também descobriu que R$ 100 mil foram desembolsados para financiar os ataques. O dinheiro foi destinado à contratação de pessoal, alimentação, armas, munição e pagamento de alugueis. O delegado Gabriel Bicca, titular da 5ª DHPP, que comandou essa investigação, considera que Perneta, à frente do grupo da Bom Jesus, e Nego Jackson, liderando os rivais, comandam as duas organizações criminosas mais violentas da Capital:
A volta deles dá uma capacidade maior de contundência das disputas de criminalidade violenta. Sem eles aqui, é como se houvesse uma timidez desses atos, recuam e são mais pontuais. Com a volta deles, a capacidade de organização e investimento aumenta, com ataques mais amplos, com maior número de vítimas.
GABRIEL BICCA
Titular da 5ª DHPP
— Há outros líderes, tão grandes quanto eles, em outros grupos, mas que não são da política de crimes tão violentos como eles. Em termos de violência na Capital, são os dois mais expoentes, cada um de um lado. A volta deles dá uma capacidade maior de contundência das disputas de criminalidade violenta. Sem eles aqui, é como se houvesse uma timidez desses atos, recuam e são mais pontuais. Com a volta deles, a capacidade de organização e investimento aumenta, com ataques mais amplos, com maior número de vítimas. Esse conflito no Jardim Carvalho, por exemplo, foi bem orquestrado, planejado e com emprego de recursos.
De volta ao RS há mais de um ano, Rafael Telles da Silva, o Sapo, é considerado pela polícia o patrocinador da guerra entre a Ilha do Pavão e a Ilha dos Marinheiros. Em 20 de fevereiro, membros do grupo do Sapo foram à Ilha dos Marinheiros para executar três pessoas. Invadiram várias casas para tentar achar o gerente do tráfico naquela comunidade. O adolescente Alessandro Santiago Bastos, 15 anos, acabou morto. Ele era namorado da filha do homem que estava sendo procurado pelos criminosos. O alvo acabou baleado. Além dele, duas mulheres e duas crianças de três e quatro anos ficaram feridos. Todos da mesma família. A 2ª DHPP descobriu que a ordem das mortes veio de dois presos, entre eles, Sapo.
— O ataque à Ilha dos Marinheiros foi ordenado pelo Telles e isso está comprovado em inquérito. Os autores desse homicídio roubaram um barco para fazer a aproximação da ilha dos marinheiros por água. Isso foi orquestrado por ele — afirma Eibert.
Depois da operação, depoimentos revelaram que a "missão" só estaria cumprida com a execução dos dois homens que comandam o tráfico na Ilha dos Marinheiros e na Vila Nazaré. Ambos já sofreram atentados nas últimas semanas na Zona Norte e a polícia investiga a relação de Telles com os crimes. Considerado uma das principais lideranças criminosas recolhidas no Central, Telles é do segundo escalão da facção com berço no bairro Bom Jesus e circula pela cadeia com corrente de ouro e roupas de grife.
Ataques orquestrados e com alvo específico
Ao investigar ataques recentes, a polícia tem percebido mudança de estratégia nas ações e aumento do grau de violência sob o pretexto de transformar o rival em inimigo. Ao invés do conflito aberto e tiroteios diários, como já aconteceu no passado, as investidas são pontuais e direcionadas a eliminar indivíduos específicos para conquistar determinada área e com o foco em regiões onde podem ganhar mais dinheiro.
Para a diretora do Departamento de Homicídios, delegada Vanessa Pitrez, enquanto estão recolhidos em penitenciárias federais, os líderes perdem economicamente por não ter contato com a rua e com as pessoas que trabalham para a organização. Fora do RS, tem contato apenas com advogado e um familiar. Ao retornar para as prisões gaúchas, são recolocados nas galerias dos seus próprios grupos e junto a outros comparsas, têm a necessidade reafirmar a hierarquia:
— Com o retorno dessas lideranças ao sistema estadual, eles voltam a se fortalecer, têm a necessidade de mostrar que estão de volta para que seu domínio não seja questionado. E mostram que continuam dominando aquela região, em alguns casos com mais força e querendo expandir seu território e salvar o prejuízo econômico no período que estavam fora. E isso tem acirrado as disputas, a tentativa de retirar as lideranças locais que cresceram durante sua ausência.
A estratégia da polícia para conter os assassinatos mesmo com a presença dos três líderes no sistema prisional gaúcho é fazer com que os inquéritos responsabilizem a última instância de comando do grupo.
— Nossa meta é formar prova para o cara que se protege, usa outras pessoas de interposto para fomentar, instigar e coordenar os ataques. Existe toda uma estrutura hierárquica que serve pra proteger os líderes — afirma Bicca.
Procurada por GZH, a Susepe optou por não se manifestar. A reportagem também contatou o Tribunal de Justiça, para saber o motivo de retorno dos três presos citados neste texto, e aguarda retorno.
Os três retornos
- Luis Fernando da Silva Soares Júnior
Conhecido como Júnior Perneta ou Museu é considerado o principal líder do grupo com berço no bairro Bom Jesus. Em maio de 2018, foi preso no Paraguai e em novembro do mesmo foi transferido penitenciária federal. Retornou para Pasc em 11 de dezembro de 2019. Segundo a polícia, tem influência nas mortes do início do ano no Jardim Carvalho. - Rafael Telles da Silva
Sapo integra o segundo escalão do mesmo grupo de Perneta. Esteve no sistema penitenciário federal de 20 de novembro de 2018 a 19 de dezembro de 2019. Agora está no Presídio Central e tem influência na disputa de territórios entre Ilha do Pavão e Ilha dos Marinheiros. - Jackson Peixoto Rodrigues
Nego Jackson foi para penitenciária federal em 2 de fevereiro de 2017, após prisão no Paraguai. Retornou ao RS em 10 de junho de 2020. Na época, já era investigado por pelo menos 24 homicídios e por ligações com traficantes do Paraguai e do Rio de Janeiro.
Contrapontos
Luis Fernando da Silva Soares Júnior
O que diz Thiago Bandeira Machado, advogado de Soares
"Luís Fernando não tem qualquer relação com as suposições policiais de aumento da criminalidade no período tratado. Não há nenhuma participação de Luís Fernando em qualquer fato criminoso, questões essas devidamente tratadas no âmbito processual. Outrossim, o retorno do Sistema Penitenciário Federal se deu por ordens judiciais fundamentadas de colegiado de juízes do RS, bem como por ordem do Juiz Federal Corregedor, estando fática e legalmente amparado."
Rafael Telles da Silva
O que diz Jean Severo, advogado de Silva
"Quando o preso é levado para uma penitenciária federal, fica completamente isolado de tudo, perde contato com a família. E quando eles retornam procuram ter a conduta mais correta possível para não retornar. O presidio federal é a morte em vida para o preso", afirma.
Jackson Peixoto Rodrigues
O que diz Nicolas Mendes Aneli, advogado de Jackson
"Com relação a Jackson Peixoto Rodrigues a respeito da Matéria veiculada tanto a ida quanto a volta do apenado para penitenciária federal em nada mudou ou diminuiu o número da criminalidade. Os dados estatísticos estão disponíveis junto a SJS/RS. Falar em redução da criminalidade quando é enviado qualquer preso Estadual para penitenciária federal nada mas é que trazer uma falsa sensação de segurança pública. Aliás, o reeducando Jackson em especifico possui uma única condenação transitada em julgado e diversas imprununcias e Absolvicões e é Rotulado como um dos maiores criminosos do Estado. Alguma coisa está errada!"