A morte de um jovem em Montenegro, no Vale do Caí, durante uma tentativa de abordagem policial gerou série de manifestações nos últimos dias. O caso é investigado pela Polícia Civil e um inquérito policial militar foi aberto pela Brigada Militar (BM). Marcelo Júnior dos Santos Teixeira, 18 anos, estava na carona de uma motocicleta, que não parou em uma barreira. O rapaz foi alvejado com um tiro nas costas.
No início da madrugada do último dia 10, um domingo, no bairro Santo Antônio, Marcelinho, como era conhecido, foi baleado próximo de onde residia com a avó. Ele estava na carona de uma Honda CG 150 Fan, conduzida por um amigo dele, também de 18 anos, sem habilitação. Na Rua Waldemar Pedro Stefem, durante tentativa de abordagem da BM, o condutor não parou e o carona foi atingido por tiro nas costas. O outro rapaz ainda seguiu com a motocicleta e Marcelinho tombou do veículo. Socorrido ao hospital do município, ele não resistiu.
As circunstâncias que levaram a este desfecho ainda são apuradas e encontram versões divergentes. Segundo a BM, foi apreendido próximo do local uma sacola com 39 pedras de crack, 130 gramas de maconha e balança de precisão. Familiares afirmam que os jovens tinham ido comprar refrigerante em um posto de combustíveis e retornavam no momento em que houve a tentativa de abordagem. Tanto o condutor quanto o carona não tinham antecedentes criminais.
Comandante regional da Brigada Militar do Vale do Caí, o tenente-coronel Márcio Luz afirma que um inquérito policial militar foi instaurado ainda na madrugada para apurar o caso. No mesmo domingo, os policiais envolvidos na ação foram ouvidos e as armas de dois deles foram recolhidas para perícia. A versão que os três PMs apresentaram é de que tentaram abordar a dupla na motocicleta. Os dois não pararam, cruzaram sinal vermelho, andaram em alta velocidade e uma barreira foi montada. Um PM estaria junto à viatura e os outros dois no meio da rua.
— O que consta do relato dos policiais é que eles foram até o meio da via e sinalizaram para que a moto parasse. Neste momento, o piloto foi em direção a um dos policiais. Acelerou a moto contra um dos policiais. Só há disparo de arma de fogo, quando há risco de vida. A decisão de tiro é tomada numa fração de segundo. Dois policiais efetuaram disparos, ainda não sabemos de qual das armas é o tiro que atingiu — diz o oficial.
Eles (os PMs) desceram para tentar fazer eles pararem a moto. E eles fugiram. Não tocaram a moto em cima da Brigada, tentaram fugir. Quando eles estão passando pela viatura, os disparos acontecem.
ANDRÉ ASSIS
Testemunha
Outras testemunhas já foram ouvidas, entre elas um morador do bairro Santo Antônio que relata ter presenciado o momento dos disparos. Vizinho da família, André Assis, 47 anos, divulgou um vídeo no Facebook sobre o caso. Ele diz que conhecia o jovem e que estava trafegando de carro pela mesma rua, quando o caso aconteceu. Ouvido por GZH, o morador relatou novamente ter visto o momento dos disparos e nega que o condutor da moto tenha ido em direção aos policiais.
— Foi muito rápido, os policiais pararam com a viatura meio atravessada na rua, meu carro ficou logo atrás. Eles (os PMs) desceram para tentar fazer eles pararem a moto. E eles fugiram. Não tocaram a moto em cima da Brigada, tentaram fugir. Quando eles estão passando pela viatura, os disparos acontecem. Não vi nenhuma sacola ou mochila com eles, passaram do meu lado — afirma.
Um vídeo gravado por um morador mostra o momento em que a motocicleta cruza em direção ao local onde está a viatura da BM. Na sequência, ouvem-se dois estampidos — a imagem não permite ver com clareza o momento dos tiros.
"Todo dia é desesperador", diz madrasta
A família diz que Marcelinho nunca teve envolvimento com drogas. No sábado, conforme parentes, Marcelinho participou de uma partida de futebol e, à noite, estava em um jantar na casa do condutor da motocicleta, de quem era amigo. Os dois teriam ido até um posto de combustíveis comprar refrigerante.
A abordagem aconteceu no momento em que os dois retornavam para a casa. A família acredita que o rapaz não parou porque tinha medo de ter motocicleta apreendida, por não ter habilitação. A madrasta Rafaela da Silva, 28 anos, e o marido souberam por telefone que o jovem estava hospitalizado. Quando o pai e a madrasta chegaram à instituição de saúde, ele já havia falecido.
Nada do que fizermos vai trazer ele de volta. Mas não podemos deixar assim. Ele só queria trabalhar bastante para dar uma vida melhor para a avó. Era sempre muito preocupado, amoroso. Para nós, todo dia é desesperador
RAFAELA DA SILVA
Madrasta
Natural de Farroupilha, na Serra, Marcelinho residia desde criança em Montenegro com o pai, a irmã e a avó. Atualmente, morava somente com a vó _ o pai mora com a esposa e a mãe do jovem reside em outro município. O rapaz, que completaria 19 anos em 15 de fevereiro, juntava dinheiro para comprar o primeiro carro. Há cerca de um mês, havia conseguido a carteira de habilitação.
— Ele e a irmã receberam educação exemplar do pai e da avó. Ainda é difícil de acreditar. Não conseguimos assimilar. Nada do que fizermos vai trazer ele de volta. Mas não podemos deixar assim. Ele só queria trabalhar bastante para dar uma vida melhor para a avó. Era sempre muito preocupado, amoroso. Para nós, todo dia é desesperador — descreve Rafaela.
Marcelinho trabalhava em uma mecânica há cerca de um ano, e estudava à noite no Ensino Médio da Escola Estadual Delfina Dias Ferraz. Antes de se empregar na oficina, o jovem auxiliava o pai, que é proprietário de um minimercado no mesmo bairro. A empresa onde Marcelinho trabalhava se manifestou nas redes sociais sobre a morte: "Hoje a nossa empresa perdeu não só um excelente funcionário, mas também um excepcional colega de trabalho, com um futuro promissor, cheio de sonhos, que foram interrompidos".
Na última quinta-feira (14), familiares e amigos participaram de ato durante a sessão da Câmara de Vereadores de Montenegro. Levaram cartazes com pedido de justiça pela morte do jovem. A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo se comprometeu a acompanhar a apuração do caso.
Na terça-feira (12), um dia após o enterro do jovem, já havia sido realizado outro protesto. Com balões e cartazes, manifestantes caminharam entre a Rua Ramiro Barcelos, na área central de Montenegro, até a praça Rui Barbosa.
— Sabemos que existe uma verdade, é isso que vamos buscar. Ele (o condutor) fugiu e errou por isso. Mas nada justifica eles (os PMs) atirarem em alguém que estava na carona, pelas costas. O ser humano é falho, todos nós erramos. Se tivessem nos dito: achamos que era um bandido, mas nos equivocamos e atiramos, a dor que nós estaríamos sentindo não seria a mesma. Agora vamos ter que provar quem ele era. Isso dói mais — afirma a madrasta.
O comerciante Marcelo Fagundes Teixeira, 38 anos, diz que a rotina do filho se dividia entre o trabalho, o futebol e visitar a namorada, que residia próximo da família.
— A paixão dele era o futebol. Quem conhece sabe que ele não faria isso. Não bebia no futebol, só tomava refrigerante. Nós vamos atrás, esclarecer. Um tem de ser forte, para dar o apoio para o outro. Ninguém imagina perder um filho assim. A sensação que tenho é que estou caindo de paraquedas e não consegui abrir. Estou num voo livre, sem chão — descreve.
Investigação
Conforme delegado André Roese, o inquérito aberto pela Polícia Civil apura tanto as circunstâncias que levaram à morte do jovem, quanto a suspeita de envolvimento com tráfico de drogas. O condutor da motocicleta foi preso em flagrante, mas foi ouvido e liberado por decisão da Justiça, que entendeu não havia elementos para prisão preventiva.
— Era uma situação suspeita, de madrugada, dois indivíduos numa moto, que não pararam para a polícia. Quando o condutor viu a barreira, acelerou contra os policiais. E o carona fez um movimento brusco. Os policiais pensaram que poderia ser uma tentativa de disparo. Houve então dois disparos — afirma Roese.
Era uma situação suspeita, de madrugada, dois indivíduos numa moto, que não pararam para a polícia. Quando o condutor viu a barreira, acelerou contra os policiais. E o carona fez um movimento brusco.
ANDRÉ ROESE
Delegado de Polícia
Conforme o delegado, dois policiais militares atiraram na direção da dupla — cada um efetuou um disparo. Os tiros de pistola teriam acontecido de forma quase simultânea. Sobre o movimento brusco que os PMs descrevem, o policial diz que há suspeita de que pode ter sido o momento no qual a sacola com drogas foi arremessada.
Os policiais seguiram a perseguição ao condutor, que foi alcançado cerca de três quilômetros depois, segundo a polícia. Ele foi ouvido e negou que estivesse fugindo por estar transportando drogas.
— Disse que estava fugindo porque estava sem habilitação. Esse foi o motivo alegado por ele. Mas ele não soube explicar porque não parou depois, mesmo após o amigo avisar que estava ferido e cair. Ele não diminuiu a velocidade. O carona caiu em alta velocidade. Nem quando o carona caiu no chão, ele parou. Só parou porque o pneu da moto esvaziou. Uma série de pessoas já foi ouvida. Mas as investigações seguem — diz o delegado.
A polícia ainda aguarda o laudo de necropsia e outras perícias.
BM traça rota de perseguição
A BM diz que ainda está mapeando o trajeto realizado pela motocicleta e pelas viaturas naquela madrugada durante a perseguição, e reunindo imagens de câmeras de segurança. Sobre o disparo ter atingido as costas do jovem, o comandante regional da BM do Vale do Caí afirma que só poderá haver uma conclusão sobre isso após respostas da perícia.
O local onde pegou o disparo é, sim, nas costas. Mas esse tiro pode ter sido efetuado, por exemplo, quando a moto estava passando pela polícia. Precisa do resultado da perícia para saber efetivamente o que aconteceu
COMANDANTE DA BM NO VALE DO CAÍ
Tenente-coronel Márcio Luz
— O local onde pegou o disparo é, sim, nas costas. Mas esse tiro pode ter sido efetuado, por exemplo, quando a moto estava passando pela polícia. Precisa do resultado da perícia para saber efetivamente o que aconteceu — afirma o tenente-coronel.
Os três PMs envolvidos foram ouvidos e estão em funções administrativas, fora do policiamento ostensivo, enquanto passam por atendimento e avaliação psicossocial. Sobre a sacola com drogas, o oficial diz que os policiais relataram que foi encontrada no local onde o carona caiu da moto. Ainda conforme o oficial, a guarnição tentou parar a motocicleta porque já havia tentado abordar o mesmo veículo, alguns dias antes, mas o condutor fugiu. A expectativa do comandante é concluir o inquérito policial militar antes do prazo de 40 dias.
— Temos todo interesse em dar solução para o inquérito o quanto antes. Dar resposta para a comunidade, buscar esclarecer o que aconteceu — disse o comandante.