Não são apenas as dificuldades decorrentes da pobreza que moradores do bairro Umbu, em Alvorada, na Região Metropolitana, precisam driblar no dia a dia. Mesmo quando conseguem uma moradia digna, subsidiada pelo governo federal, o braço da violência segue presente, impondo medo, regras que flexibilizem negócios criminosos e, não raras vezes, tomando à força casas e apartamentos.
Para coibir o domínio de uma facção sobre a comunidade do complexo residencial Umbu II, a Polícia Civil deflagrou nesta quarta-feira (16) a Operação Consórcio. São 850 policiais, coordenados pela Delegacia de Homicídios de Alvorada, em uma ação que apura organização criminosa armada, tráfico de drogas, associação para o tráfico, roubo de veículos, roubo a pedestre, homicídios, corrupção de menores, receptação, invasão de domicílio e lavagem de dinheiro.
A operação é resultado de um trabalho de fôlego feito ao longo de 18 meses, com 125 linhas telefônicas sendo interceptadas, tendo 1,8 mil telefonemas gravados e 1,2 mil, transcritos para detalhar as articulações criminosas.
Estão sendo cumpridas 279 ordens judiciais — sendo 67 de prisão. Há ainda mandados de busca e apreensão e medidas restritivas em contas bancárias usadas para disfarçar a origem ilícita de recursos. Até as 8h30min, 54 prisões haviam sido efetivadas.
Entre os locais alvo de buscas estão 146 apartamentos, a sede da associação de moradores do complexo, além de estabelecimentos comerciais. Também são cumpridas ordens de prisão e de buscas em presídios.
Foi identificada pela polícia a atuação de 98 suspeitos, sendo que, mais uma vez, o principal investigado é um homem sob tutela do Estado — já condenado pela Justiça e recolhido à Penitenciária Modulada de Charqueadas.
É de sua cela que Aldrin Barcella Romagna, condenado por extorsão mediante sequestro, receptação e tentativa de homicídio e integrante da facção Bala na Cara, não só comanda crimes, mas age como uma espécie de síndico ou juiz, criando regras e determinando soluções até para briga de vizinhos e disputas de vagas de estacionamento. Situações como reformas e reparos nos imóveis e ingresso de pessoas desconhecidas no residencial de 900 apartamentos também dependeriam do aval do condenado.
A investigação da Delegacia de Homicídios de Alvorada mostra que, pelo menos, 50 famílias foram expulsas dos apartamentos pelos criminosos. Mas a polícia suspeita que o número seja maior e tenha sido minimizado pelo medo que as pessoas têm de fazer ocorrência policial.
Para mapear a situação, os investigadores pegaram com a prefeitura de Alvorada a lista dos 900 proprietários beneficiados pelo programa Minha Casa Minha Vida e fizeram um minucioso cruzamento de dados. Foi assim que foram localizadas algumas das ocorrências de expulsão domiciliar.
Também com esse levantamento a polícia identificou que integrantes da facção estavam instalados no complexo residencial que engloba 18 condomínios: Araucária I, II e III, Caraguatá I, II e III, Gravatá I, II e III, Maricá I, II e III, Paineira I, II e III, e Timbaúva I, II e III.
As suspeitas começaram a ser apuradas a partir de informações coletadas em inquéritos de homicídios. Apenas no período da apuração, foram nove casos. Segundo o delegado Edimar Machado, chega a 60 o número de assassinatos em dois anos devido à guerra de facções na região.
Não é a toa que Alvorada está, segundo dados da Segurança Pública, no topo do ranking de assassinatos: é a cidade com maior taxa de homicídios do Estado por 100 mil habitantes (46,6 no acumulado do ano).
— Mesmo com a alto índice de homicídios, Alvorada já teve uma redução significativa, pois em 2017 chegou a taxa de 112 mortes para cada 100 mil habitantes. Ações como a de hoje não só combatem criminosos, mas aproximam o Estado da população, gerando uma maior confiança nos órgãos policiais. Com isso, a polícia espera que as pessoas procurem as delegacias para denunciar expulsões e dar informações sobre homicídios — destaca o delegado Edimar Machado de Souza, titular da Homicídios de Alvorada.
A estatística negativa fez a cidade se tornar foco prioritário de ações do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), por meio da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana (DHM). Desde setembro, as delegacias de homicídios da Região Metropolitana passaram a integrar o DHPP.
— Desde que houve essa mudança, o nosso planejamento estratégico focou no município de Alvorada, que historicamente tem as maiores taxas de homicídios do Estado. É claro que os fatores vão além da atuação policial, pois são, muitas vezes, de ordem econômica e social. Mas dentro da nossa área de atuação entendemos como necessidade esse direcionamento. Houve reforço de pessoal na Homicídios de Alvorada e o planejamento de grandes ações com a Brigada Militar visando a impactar nessas taxas — explicou o delegado Cassiano Cabral, diretor da Divisão de Homicídios da região Metropolitana.