Moradores e integrantes de movimentos sociais e políticos protestam no final da tarde desta quarta-feira (9) na Vila Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre, em homenagem à líder comunitária Jane Beatriz Silva Nunes, 60 anos, que morreu no final da manhã de ontem. O ato reúne vereadores eleitos e lideranças da comunidade.
O grupo carrega faixas e cartazes pedindo justiça, e camisetas com a inscrição "Vidas Negras Importam" também são vistas. Lídio Santos, 41 anos, decidiu participar do ato para criticar as ações policiais na região.
— Hoje, a gente resolveu fazer um ato contra queixas da comunidade de ações policiais. É pela Jane, mas também contra o abuso — disse Lídio, que conhecia Jane.
Vizinha de Jane há pelo menos três décadas, Leci Maria da Cruz, de 67 anos, vestia uma camiseta com a foto de Jane. A aposentada disse que a amiga fará falta.
—Era querida. Cuidava de todos aqui no bairro —lamentou a aposentada.
As integrantes da Defensoria Pública do Estado, Aline Palermo Guimarães, dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Bruna De Lima Dias, dirigente do núcleo de defesa da Mulher, acompanharam o protesto. Elas frisaram que a família vai ser procurada e receber amparo de profissionais de saúde em função do fato.
No local do protesto, ainda restam cacos de vidro e resquícios de madeiras queimadas da manifestação da tarde passada, quando houve confronto entre moradores e o Batalhão de Choque da Brigada Militar.
A morte
Segundo o relato de uma vizinha à polícia, Jane retornava do mercado, quando deparou com a casa cheia de policiais militares. A BM afirma que os policiais estavam na comunidade e receberam informação sobre maus-tratos, que não se confirmou, mas que, por isso, os policiais entraram na casa. Conforme o depoimento da vizinha, Jane teria tentado ingressar na casa e foi impedida. A testemunha contou que a líder comunitária escorregou e caiu junto a uma escada, no acesso à residência. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, ela chegou com vida ao pronto atendimento da Cruzeiro, em parada cardiorrespiratória. A equipe tentou reverter o quadro, mas não teve sucesso.
Responsável pela investigação, o delegado Newton de Souza Filho, da 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), diz que foram ouvidas até o momento duas testemunhas: o filho de Jane, que não estava no momento do incidente, e a vizinha que presenciou a ação. A investigação vai agora ouvir os policiais envolvidos. Segundo o delegado, as testemunhas relataram que seriam cerca de 10 PMs.
O delegado afirma que até o momento não há evidência de que tenha havido violência física por parte da BM. Embora a causa da morte já tenha sido informada, a polícia aguarda o laudo oficial da necropsia.
— Desde ontem estávamos ouvindo testemunhas e já estávamos visualizando, mesmo antes do laudo, que por parte da BM não houve ação que pudesse resultar na morte da Jane. Essa notícia do IGP vem bem ao encontro daquilo que já vinha se formando. Ela estaria entrando, foi contida, estava havendo ação na casa e, durante essa intervenção, que não foi violenta, ela teria escorregado e caído. Então, a única coisa que não conseguimos entender ainda é se ela caiu por causa do rompimento ou se o aneurisma se rompeu depois que ela caiu. Vamos ainda analisar tudo, laudos, depoimentos e dar seguimento ao inquérito — diz o delegado.
O filho de Jane afirma que a BM já havia ingressado na casa em outras oportunidades sem mandado e que a mãe estava indignada com essa situação. Por isso, ela teria decidido construir um muro e instalar portões de acesso. A última vez em que Ederson falou com a mãe foi na noite de segunda-feira. Ela teria pedido que ele apressasse a obra no local.
— Ela reclamava muito disso, não aguentava mais. Não foi só essa vez que entraram lá. Ela pedia para acelerar a obra, mas dependia de dinheiro — diz o filho.
GZH entrou em contato com a Brigada Militar sobre esta afirmação. A BM informou que o IPM está apurando todas as circunstâncias denunciadas em relação ao caso, "inclusive essa denúncia, que apenas agora chega ao conhecimento da corporação".
O corpo de Jane foi velado no Cemitério João XVIII até as 14h desta quarta, quando ocorreu o sepultamento.
A ONG Themis emitiu nota também nesta terça-feira sobre o fato. Na manifestação, descreve Jane como mulher negra, mãe, avó, bisavó, servidora pública municipal, Promotora Legal Popular formada pela Themis, ativista reconhecida por sua comunidade e moradora da Grande Cruzeiro.
“É imprescindível e urgente que as circunstâncias da morte de Jane sejam rigorosamente apuradas pelas autoridades competentes; que a família e a comunidade recebam o adequado apoio e respeito do Estado e que ações concretas sejam tomadas pelo Poder Público para que os direitos e as vidas das pessoas negras e periféricas não sejam mais sistematicamente violados. O nome e a história de vida de Jane não serão esquecidos. Por sua memória, exigimos justiça e reparação”, informa a nota.
Nota da Brigada Militar
"A Brigada Militar informa que na manhã desta terça-feira (8/12), no Bairro Santa Tereza, cidade de Porto Alegre, Policiais Militares estavam no local para verificar uma denúncia sobre maus-tratos em uma residência, quando uma moradora sofreu um mal-súbito e, mesmo após ter sido socorrida pelos policiais até o Posto de Saúde da Cruzeiro, não resistiu e veio a falecer. Informa também que instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apuração das circunstâncias dos fatos. A Brigada Militar lamenta a morte da moradora do bairro Santa Tereza."
Nota do Instituto-Geral de Perícias (na noite de terça-feira)
"O IGP informa que a necropsia de Jane Beatriz Machado da Silva, 60 anos, identificou como causa da morte o rompimento espontâneo de um aneurisma cerebral. Não foi localizado no corpo nenhum sinal de trauma que justificasse o óbito. A causa da morte, portanto, é clínica. A perícia foi realizada por Perito Médico-Legista com especialização em neurocirurgia. O óbito foi constatado na manhã desta terça-feira, em Porto Alegre. A remoção para o Departamento Médico-Legal do IGP foi solicitada às 16h. O corpo já está liberado. O órgão dará sequência nos trâmites de praxe para emissão do laudo oficial."
*Com informações de Bruna Viesseri e Letícia Mendes