A Operação Antracnose, desencadeada nesta quinta-feira (5) em oito municípios do Rio Grande do Sul e em dois do Paraná, foi planejada durante um ano, período em que a Polícia Federal (PF) afirma ter descoberto, na atuação dos criminosos, semelhanças com a máfia italiana.
De acordo com o delegado Roger Soares Cardoso, da Delegacia de Repressão às Drogas, a organização criminosa se diferencia das demais por manter inúmeros líderes no topo do controle das atividades financeiras ilícitas. A comparação com os grupos italianos leva em conta o debate realizado para decidir execuções.
— É uma estrutura horizontal de comando. Tem diversas células, e essas células só podem cometer algum homicídio com autorização do comando daquela determinada célula. E os líderes negociam entre si, muito semelhante à máfia calabresa — compara o investigador.
Conforme a PF, em seis meses, os traficantes movimentaram R$ 70 milhões — valor que atinge R$ 140 milhões em um ano, estima o delegado. No semestre, quase quatro toneladas de cocaína chegaram ao Vale do Sinos a partir do Paraguai, o que configura tráfico internacional de entorpecentes.
A facção foi considerada, pela PF, "a maior organização criminosa em atuação no Rio Grande do Sul", devido ao alto volume de transporte de drogas. O bando seguirá sendo investigado a partir dos depoimentos dos 33 presos preventivamente.
Um deles, segundo a PF, era fornecedor das drogas e vivia no Vale do Sinos. Dois mandados de prisão ainda não foram cumpridos.
O nome de um dos investigados, inclusive, batizou a ação. Antracnose é uma infecção que atinge as folhas da manga, fruto que é o apelido de um dos alvos da ofensiva.
Lavagem de dinheiro
A rotina da quadrilha foi acompanhada desde 2019, quando se descobriu uma trama para ocultar a origem do patrimônio: o investimento em empresas de fachada. Em uma delas, um haras no município de Tapes, na Costa Doce, cavalos eram criados e leiloados posteriormente. O preço real, de difícil valoração, segundo a PF, era superdimensionado na contabilidade.
— (Os criminosos) Leiloam um cavalo que dizem ser reprodutor. Ou campeão. Eles podem leiloar e reputar que estão vendendo por R$ 1,5 milhão, mas na verdade recebem R$ 200 mil pelo animal, mas declaram que venderam por R$ 1,5 milhão — explica a delegada regional executiva, Aletea Vega Marona Kunde.
Ao menos quatro revendas de veículos também eram usadas como forma de lavar o dinheiro sujo da quadrilha. Parte dos automóveis apreendidos, estacionados ao lado da sede da superintendência da PF em Porto Alegre, ainda estava com o anúncio de uma loja de carros de Novo Hamburgo. Uma locadora de automóveis também foi alvo da operação.
Muitos dos presos não tinham antecedentes criminais, pois são empresários. Das 111 contas bloqueadas, 63 constam no nome de pessoas jurídicas.
Uma BMW X6 — avaliada em mais de R$ 500 mil — estava entre os 92 veículos apreendidos. Caminhonetes Hilux e Freemont, Fusion, Golf e Jetta também foram confiscados.
Dezoito imóveis, avaliados em R$ 20 milhões no total, foram sequestrados judicialmente. O haras onde os animais eram criados tem dimensões que surpreenderam os investigadores: 140 hectares, tido como um dos bens mais valiosos.
As apreensões são uma forma de enfraquecer a facção, avalia o superintendente da PF no RS, José Antônio Dornelles de Oliveira.
— Antigamente, o criminoso era detido e ia milionário para o presídio. Agora ele sofre um baque, é descapitalizado — diz.
Um dos investigados, tido como líder de uma das células da facção, foi preso na metade do ano, no Paraguai. Ele cruzou a fronteira e foi encontrado com ajuda da polícia do país vizinho. Atualmente, está detido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
Material bélico, armamento considerado de guerra pela polícia, estava de posse com os presos desta quinta-feira: seis fuzis, duas espingardas e 19 pistolas. Ainda foram apreendidos 170 quilos de cocaína e em torno de R$ 3 milhões em espécie.