Em reportagem exclusiva, o Fantástico apresentou na noite deste domingo (30) detalhes do plano que culminou na morte do pastor Anderson do Carmo, marido da deputada federal e pastora Flordelis, no Rio de Janeiro. Uma especialista na manipulação de pessoas. Cruel. É com esses adjetivos que o Ministério Público descreve a personalidade de Flordelis.
Nos depoimentos à polícia, filhos e pessoas próximas à família revelaram como e por que Flordelis criou uma falsa imagem de família evangélica, feliz, conservadora e unida.
— Tudo era um grande enredo para ela alcançar a propulsão financeira e política, com a ajuda dos familiares. A principal contradição foi aquela tese levantada por ela de ter sido latrocínio — disse à reportagem o delegado da Divisão de Homicídios de Niterói, Allan Duarte, responsável pelo caso.
Anderson foi assassinado com mais de 30 tiros na frente de casa em 16 de julho de 2019. Em um dos vídeos obtidos pela reportagem, Lucas César dos Santos, filho adotivo de Flordelis e Anderson, contou detalhes do plano e que chegou a ser pressionado por familiares a matá-lo. Ele não matou, mas comprou a arma do crime. Segundo a polícia, os disparos foram efetuados pelo filho biológico de Flordelis, Flávio, sob o comando da mãe.
— Ele foi e efetuou os disparos para cima dele. E claro que a Flordelis tem a ver com isso. Tenho certeza absoluta que ela tem — disse Lucas, no depoimento à polícia.
O promotor de Justiça Sergio Luiz Lopes Pereira afirmou que as contradições de Flordelis começaram desde as primeiras versões. No primeiro depoimento à polícia, por exemplo, Flordelis disse não saber precisar a quantidade de disparos ocorridos na noite da morte do marido. Mas, duas semanas depois, em entrevista ao Fantástico, ela relatou os tiros em detalhes.
De acordo com a investigação, as testemunhas relatam também relações sexuais entre Anderson e uma filha afetiva, além de noitadas em "casas de swing". Segundo a denúncia, há uma "completa dissociação entre a imagem construída e as práticas do grupo familiar".
"A testemunha se recorda que (o pastor) Anderson (...) com a permissão de Flordelis (...) se relacionava sexualmente" com uma das filhas afetivas, que "não gostava dessa situação, mas obedecia" a mãe.
Também em depoimento, a mãe de Anderson informou que aos 11 anos ele era chamado por Flordelis para pregar na comunidade ao lado dela. Na época, ela tinha quase 30 anos e três filhos biológicos. Anderson, então, se tornou um filho afetivo de Flordelis. Mais tarde, ele namorou Simone, filha da pastora. Porém, aos 14 anos, ele começou a se relacionar com Flordelis como casal. Juntos, formaram uma família com 55 filhos. Flordelis dizia que havia tido um filho biológico com Anderson. Mas a investigação descobriu que ele, na verdade, foi roubado da genitora e registrado falsamente como filho biológico.
Segundo a polícia, os filhos mais próximos de Flordelis, hoje réus no assassinato, tinham tratamento privilegiado com relação a vestuário, dinheiro e cômodos da casa. Um dos filhos disse em depoimento que os adotados e afetivos não tinham acesso a determinadas geladeiras da casa.
A denúncia do Ministério Público ainda revela um comportamento mais próximo a uma seita, com sexo em grupo, entre membros da família, com rituais totalmente divergentes da doutrina das igrejas cristãs evangélicas. Em depoimento, uma testemunha afirma que a parlamentar teria oferecido uma filha afetiva do casal para pastores estrangeiros. As testemunhas afirmam que Anderson tinha permissão da mulher para se relacionar sexualmente com uma das filhas afetivas.
Deputada federal mais votada pelo Rio de Janeiro em 2018, Flordelis já teria tentado matar Anderson outras vezes por envenenamento, conforme constatou a investigação.
Uma perícia no celular da filha Simone mostrou que ela pesquisou várias vezes na internet sobre cianeto. No Ipad usado pelos filhos próximos a Flordelis, a perícia encontrou pesquisas como "assassino onde achar". Mas por ser arriscado e mais caro, a deputada e os filhos partiram para uma solução caseira
A investigação destaca que Flordelis manipulou os filhos, financiou a compra da arma e tentou ocultar provas. Também afirma que "ela usa o cargo de deputada federal para dificultar as investigações e apontar dolosamente responsabilidade a atuais desafetos pela prática do crime que ela cometeu".
Flordelis tem imunidade parlamentar. Só pode ser presa em flagrante por crime inafiançável ou quando houver sentença transitado em julgado. Um caminho para a prisão seria pela perda do mandato por quebra de decoro parlamentar. Para isso, o caso teria que ser analisado pelo Conselho de Ética da Câmara, parado desde março. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve propor, nesta semana, a retomada dos trabalho do Conselho.
As defesas de Flordelis e de Flávio disseram que acreditam na inocência de ambos e que esclarecerão os fatos. A Defensoria Pública, que representa Lucas, afirma que em julgamento mostrará que ele não participou do assassinato de Anderson.