O primeiro apenado que morreu com covid-19 no Presídio Central, maior cadeia do Rio Grande do Sul, tentou, por meio dos seus advogados, obter a prisão domiciliar duas vezes antes de falecer, na última quarta-feira (5). Wanderson Menezes, 26 anos, contava aos seus defensores e familiares, desde abril deste ano, que tinha dificuldades de respirar e tosse com sangramento, o que gerava a suspeita de que ele havia contraído tuberculose. A doença está entre as enquadradas no grupo de risco do coronavírus.
Laudos médicos apresentados pela administração da cadeia, no entanto, diziam que Menezes estava assintomático para tuberculose e garantiam que ele estava sob observação, o que evitou a concessão da detenção domiciliar e reconsideração da prisão em 29 de abril e em 27 de julho.
Um dia depois da negativa da segunda tentativa de domiciliar, no dia 28, uma decisão judicial determinou que Menezes fosse encaminhado para atendimento médico e que fosse apresentado, em 24 horas, o resultado dos exames. Ele recebeu o atendimento na segunda-feira (3), e foi mandado de volta para a cela. A informação sobre o quadro de saúde não entrou no processo até a morte do apenado, sete dias depois.
O detento passou mal na terça-feira (4). Os advogados Douglas Fernandes, Gelson Fassina e Ananias Rodrigues dizem que ele foi levado às pressas pelo detento que é responsável pelo encaminhamento dos doentes do pavilhão D - onde ficam os presos do grupo denominado Abertos, além de bairros como a Vila Farrapos. Na madrugada seguinte, morreu.
Os defensores denunciam, ainda, que ele não foi testado para a covid-19 em vida. Em nota enviada à GaúchaZH, afirmaram:
"Os próprios advogados que subscrevem que alertaram o Hospital Vila Nova quanto à ausência do exame, quando ele já havia falecido e se iniciavam os procedimentos para liberação de seu corpo para a cerimônia fúnebre. Na primeira declaração de óbito, juntada no processo pela administração da Cadeia Pública de Porto Alegre, sequer constava a suspeita para covid-19".
O caso de Menezes, que morreu apesar dos pedidos, contrasta com de outros detentos que deixaram o Presídio Central com autorização da Justiça. Fabrício Santos da Silva, o Nenê, líder de uma das maiores facções do Rio Grande do Sul, recebeu autorização para a prisão domiciliar, rompeu a tornozeleira e sumiu, em abril. Ele só foi recapturado nesta semana após uma operação que o encontrou em um condomínio no Paraguai.
Menezes era condenado por tráfico de drogas e homicídio a 19 anos de prisão, por crimes cometidos em 2012 e em 2015. Ele cumpria pena por essas duas decisões no semiaberto, mas tinha uma prisão preventiva por um terceiro caso, ainda sob investigação, por tráfico de drogas em Canoas.
— Não existe pena de morte na nossa constituição. Por mais que as pessoas errem, elas estão em responsabilidade do Estado para cumprir a sua pena. É complicado quando um Estado falha a ponto de deixar uma pessoa sob sua custódia morrer, mesmo com avisos, mesmo com peticionamento para que ela seja solta — criticou Fassina.
A defesa dele incluiu o caso para análise da juíza Sonáli da Cruz Zluhan, da Vara de Execuções Criminais (VEC), no expediente em que determinou a interdição do presídio. A cadeia foi autorizada a receber detentos um dia antes da morte do apenado. O pedido é para que novas providências sejam adotadas pela Justiça.
O que diz a Justiça
Procurada pela reportagem, Sonáli esclareceu que não foi a responsável por julgar os pedidos de prisão domiciliar humanitária de Menezes. Além disso, reforçou que não havia laudos que atestassem que ele integrava o grupo de risco para a covid-19.
Responsável pela fiscalização do presídio, a magistrada informou que recebeu relatos de presos que não estão saindo da galeria para a ala de isolamento porque não querem ficar sob monitoramento constante. Ou seja, eventualmente um deles pode estar com sintomas da doença, mas evita buscar atendimento para não perder o espaço que tem.
— Na galeria, cheio de presos soltos, eles têm liberdade. No isolamento, eles têm 15 dias sob observação, sem celular, sem acesso a drogas. As pessoas que estão descendo e buscando isolamento estão sendo tratadas e medicadas. Se tem muita gente com sintoma e não tá descendo, não temos como saber —ponderou.
Ela diz ainda que é impossível o controle dentro das galerias e que para retirar um dos presos de lá seria necessário uma intervenção de um batalhão da Brigada Militar.
— Como controlar 300 presos em um espaço? Teria que ser um policial para cada um dos presos para retirar alguém de lá. No meu ponto de vista, aquele presídio tinha que ter sido desativado há muito tempo — criticou.
Apesar disso, a magistrada disse que não adotará nova medida na cadeia por não haver espaço para recebimento de presos caso o presídio fosse interditado e reforçou que há atendimento médico adequado para os detentos que buscam.
O que diz a Seapen
Em nota conjunta encaminhada ainda na quinta-feira (6), a Secretaria da Administração Penitenciária (Seapen), a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a direção da Cadeia Pública de Porto Alegre garantiram que "o paciente recebeu todos os cuidados médicos necessários, quando ainda nas dependências da penitenciária, através da UBS local, tendo sido providenciada sua transferência para o hospital, quando verificado o agravamento de sua situação". A nota diz que "lá também recebeu pleno atendimento da equipe de plantão".
A nota ainda afirma que a tuberculose foi diagnosticada "no dia 3 de agosto de 2020 e registrada no atestado de óbito da equipe médica do Hospital Vila Nova, que prestou os últimos atendimentos". Ainda diz que "seguindo os procedimentos recomendados pelos órgãos de saúde, foi realizado o teste para detecção do novo Coronavírus, que apontou resultado positivo".
Procuradas nesta sexta-feira (7), a Seapen reiterou que "houve atendimento médico adequado para preservar a vida do detento".