O silêncio do outro lado do telefone é indicativo de que a ligação, que poderia ser uma emergência, não passa de trote. Em média, 39 chamadas desse tipo são atendidas por dia pelo Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI), em Porto Alegre. No primeiro semestre deste ano, foram 7.235 registros. Em comparação com o mesmo período do ano passado, houve redução de 1,4.
São atendidas pelos operadores do DCCI todas as ligações realizadas na Capital para os telefones de emergência da Brigada Militar (190), Corpo de Bombeiros (193) e Polícia Civil (197). Ali, são filtradas as informações e repassadas aos servidores para atendimento. É por isso que quem recebe a chamada precisa ter certeza de que a ocorrência existe ou corre o risco de despachar a equipe para algo desnecessário.
— O 190 é nosso ponto inicial de atendimento de um fato crime. É de extrema importância que as pessoas tenham consciência que estão cometendo desserviço para a comunidade — alerta o tenente-coronel Rogerio Stumpf Pereira Junior, do Comando de Policiamento da Capital.
Na maior parte dos trotes, a pessoa fica em silêncio, ofende o policial ou diz frases sem sentido. Neste caso, o operador encerra a chamada e não chega a enviar a viatura. Muitas dessas ligações são realizadas por crianças. Nos meses de abril, maio e junho deste ano, com as aulas presenciais suspensas nas escolas por conta da pandemia do coronavírus, houve redução para menos de 1 mil ligações no mês.
Existe uma modalidade mais grave de trote, classificada como falsa comunicação de crime. É quando a pessoa relata a ocorrência e consegue convencer o atendente sobre a veracidade. Neste caso, é enviada equipe, que só descobre a fraude após ter feito o atendimento.
— A mesma guarnição que atende uma chamada falsa está deixando de atender a uma ocorrência verdadeira. Pode-se perder uma vida assim, e vida não tem preço. As pessoas não devem fazer esse tipo de ação — orienta o tenente-coronel Otávio Polita Filho, comandante do DCCI.
Em queda
Embora ainda sejam atendidas cerca de 1,2 mil ligações desse tipo no mês na Capital, o trote já foi um problema bem mais grave para as corporações. Atualmente, o total de telefonemas falsos no DCCI representa 2,5% das chamadas atendidas. Em 2010, reportagem de Zero Hora mostrou que, em Porto Alegre, a BM atendia um trote a cada dois minutos — atualmente acontece um a cada 37 minutos. Um dos motivos para a queda está no uso de celulares, mais fáceis de serem identificados. Outra mudança foi a redução dos telefones públicos, chamados orelhões, que também eram usados com esse fim.
É de extrema importância que as pessoas tenham consciência que estão cometendo desserviço para a comunidade
TENENTE-CORONEL STUMPF
Comandante do CPC
— O celular é de uso pessoal, o que nos permite identificar de onde partiu a ligação. Havia um período, especialmente no Interior, onde essas ligações representavam a maioria das chamadas e aí sim causavam muito transtorno — explica o subcomandante-geral da BM, coronel Vanius Cesar Santarosa.
Comandante-Geral dos Bombeiros, o coronel Cesar Bonfanti acredita que houve conscientização da população sobre o risco dos trotes. Ele destaca que no Interior, onde bombeiros atendem mais de uma cidade, o deslocamento pode ser ainda maior para uma ocorrência falsa.
— A guarnição parte numa velocidade maior porque quer chegar logo, sempre há um risco. E quando precisa ir de uma cidade a outra pode deixar aquela desguarnecida. Mas percebemos diminuição geral dos casos, não somente na Capital, como no Interior — afirma.
Atualmente, o maior volume de chamadas indevidas recebidas pelo DCCI são os pedidos de informações. No primeiro semestre deste ano, essas ligações representaram uma a cada quatro que chegaram à central, ou 24,3% do volume total. São casos de pessoas que não sabem para onde ligar, como, por exemplo, para saber qual linha de ônibus pegar, e usam os números de emergência. Isso também ocupa a central e quem está numa emergência pode ter de esperar. O DCCI está realizando estudo destas chamadas, para tentar criar formas de orientar a população sobre onde buscar informações sem afetar o atendimento.
Na investigação
As informações falsas também podem ser um problema, quando desviam o foco de uma investigação, por exemplo. Além dos recursos, como uso de veículos e gasto de combustível, o emprego de pessoal, quando já há defasagem de agentes, é visto pelo subchefe da Polícia Civil, delegado Fábio Motta Lopes, como um dos pontos mais graves.
O trote é prejudicial para qualquer atividade porque se desviam recursos, já escassos.
FÁBIO MOTTA LOPES
Subchefe da Polícia Civil
— O trote é prejudicial para qualquer atividade porque se desviam recursos, já escassos. Nem sempre as pessoas prestam falsas informações por mal, por vezes acreditam que é verdade. Mas o mais lastimável é a informação que desvia uma investigação para algo que não aconteceu de propósito — afirma o delegado.
Quem comete um trote, pode ser responsabilizado pelo artigo 340 do Código Penal, por "provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado". Telefonar para a polícia informando um crime que não está acontecendo pode resultar numa pena de detenção de um a seis meses. Para tentar evitar esse tipo de situação, os operadores são treinados para reconhecer sinais. Isso inclui ouvir chamadas anteriores de trotes — as ligações no DCCI são gravadas.
— O atendente é treinado para fazer questionamentos em busca de dados e perceber se é uma ocorrência ou não. Se são casos como incêndio, acidente ou mesmo som alto, ele sabe que não vai receber uma ligação só. Serão várias. Isso também indica que a ocorrência é real — explica o major Luciano Rodrigues da Rosa, chefe da divisão de apoio operacional do DCCI.
Detalhe GaúchaZH
Diversos trotes são praticados por crianças, que muitas vezes não compreendem a gravidade do ato. Por isso, pais e responsáveis devem orientá-las sobre o uso desses telefones somente para casos de emergência e explicar que outras pessoas podem precisar de auxílio da polícia e não conseguir, caso as linhas estejam ocupadas.