O major Fernando Rodrigues Maciel e os soldados Euder de Brito Dias, Luis Miguel Fernandes e Robson Joacir Ferrazza Basso viraram réus na Justiça Militar pelo crime de corrupção. Conforme denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP), aceita em 8 de junho, os quatro membros da Brigada Militar (BM) concordaram em fazer escolta particular para dirigentes do Esporte Clube Bahia em Porto Alegre, em troca de dinheiro.
A denúncia é referente ao ano de 2018. À época, o major era o subcomandante do 11º Batalhão de Polícia Militar. A unidade é responsável pela área de policiamento do aeroporto e, também, da Arena do Grêmio. Por isso, ele estava envolvido diretamente na organização da estrutura de segurança para jogos e pelo contato com as delegações de times de outros Estados que jogam em Porto Alegre. A escolta para os jogos das delegações é feita gratuitamente, mas em outras ocasiões, como para jantares, a BM não atua.
Em troca de mensagens por meio de um aplicativo, interceptada pela Corregedoria da Brigada Militar, consta que o major negociou com o suposto representante do clube prometendo a estrutura da corporação. Em um dos trechos, segundo a investigação, disse: "vou de viatura e apresento o responsável". Em outro, "já tenho uma equipe certa" e que são "todos soldados da PM daqui".
Na mesma troca de mensagens que consta na investigação, o major ainda teria informado que a área do aeroporto “era sua”, em alusão à região de policiamento do batalhão. Enquanto negociava, enviou uma foto de uma viatura da corporação e de um ônibus de um clube que jogaria pela Libertadores naquele dia na Capital, para informar o suposto contratante que estava trabalhando na escolta de outro clube.
Na denúncia, o Ministério Público detalha os valores acertados entre supostos dirigentes e os policiais: R$ 5 mil. Um recibo encontrado pela Corregedoria da BM indica que o major ficaria com a maior parte, R$ 3.610,00, enquanto os outros R$ 1,4 mil seriam repartidos entre os soldados.
O acerto era para o dia 5 de outubro de 2018. Ficou acordado que os militares pegariam os seis dirigentes em três carros particulares e levariam do hotel até o almoço em uma churrascaria. Depois, deveriam transportá-los de volta. À noite, novamente pegariam os dirigentes, às 20h, e levar até um local para jantar e, talvez depois, para uma boate. A hora de retorno combinada seria às 2h.

Para a promotora de Justiça militar Isabel Guarise Barrios, o major se aproveitou da estrutura da corporação, cooptando policiais subordinados de um batalhão ao qual serviu para o serviço proibido.
— Utilizou-se de bens da corporação enquanto a sociedade e a corporação depositam nele a crença de que ele vai se utilizar daquilo para os fins que a corporação lhe outorgou. Ele está usando nesse caso para fins particulares, que podem causar danos que fogem do controle do estado. Um tiro de uma daquelas armas seria pago pelo Estado, com dinheiro público — detalhou a promotora.
Ainda segundo a promotora, não houve constrangimento aos soldados, mas o subcomandante aproveitou-se da sua “posição de comando para convencer os soldados”:
— Dentro da Brigada, sabemos que hierarquia e disciplina são os pilares básicos. Os militares, quando recebem um convite de seu comandante para participar de um ato como este, eles naturalmente encaram aquilo como “vamos participar, o comandante está nos convidando”.
Investigação da BM
Ainda em outubro de 2018, a BM afastou o oficial após denúncia anônima indicar que ele havia acertado fazer a segurança particular para os dirigentes. A informação foi confirmada à época pelo então comandante-geral, coronel Mario Ikeda.
No dia em que os dirigentes chegariam, os agentes da Corregedoria-Geral fizeram uma ação no aeroporto. Eles monitoraram a movimentação e flagraram um parente de Maciel esperando o desembarque. O major não estava no local. Os soldados foram encontrados e identificados na área externa. Segundo o inquérito policial militar, eles “confirmaram oralmente o serviço de segurança privado”.
O serviço acabou não acontecendo, mas os policiais foram localizados pela Corregedoria ainda no aeroporto.
A investigação interna da BM só terminou em janeiro de 2020. Nesse meio tempo, dois oficiais foram responsáveis pelo inquérito. O primeiro concluiu que houve o crime de corrupção passiva exclusivamente por Maciel, ainda em outubro de 2018. O segundo, após novas diligências, de que ocorreu apenas a transgressão disciplinar e não um crime. Essa segunda análise do encarregado da apuração foi homologada em fevereiro de 2020 pelo comandante-geral, coronel Rodrigo Mohr.
Enquanto a apuração seguia, o major Maciel foi retirado do policiamento, mas passou a chefiar o Centro de Logística da corporação. De acordo com a Brigada Militar, o oficial passou a exercer funções administrativas. Os demais policiais seguem atuando normalmente, conforme a BM.
Sobre os próximos passos dos procedimentos internos contra os agentes, a BM informou que “o processo segue sendo apreciado na Justiça Militar do Estado, sendo que a denúncia pelo Ministério Público é recente” e ainda que "acompanha a situação para alguma demanda decorrente”.
Contrapontos
Desde a época dos fatos, o Esporte Clube Bahia se resumiu a informar, por meio da assessoria de imprensa, que o serviço jamais aconteceu. Em ofício que consta na investigação, o clube também informou que não houve a contratação de segurança particular.
O major Fernando Rodrigues Maciel preferiu não se manifestar e indicou que a reportagem falasse com seu advogado, Fabio Cesar Rodrigues Silveira. GaúchaZH não conseguiu contato com o defensor.
A reportagem tenta contato com a defesa dos demais citados.
A Brigada Militar enviou uma nota. Confira na íntegra:
“Os devidos processos administrativos e de polícia judiciária militar foram adotados pela Brigada Militar para esclarecer os fatos.
O oficial foi afastado, com base no Art. 37 da Lei 10.990/97, até o final do processo no âmbito da Brigada Militar e, após, passou a desempenhar atividades administrativas.
O IPM foi conduzido dentro das previsões legais e a substituição do encarregado, por impossibilidade do primeiro, ocorreu para cumprimento de diligências complementares. A conclusão do IPM não vislumbrou o cometimento de crime e sim de transgressão disciplinar.
O processo segue sendo apreciado na Justiça Militar do Estado, sendo que a denúncia pelo Ministério Público é recente. A Brigada Militar acompanha a situação para alguma demanda decorrente.”