Foi pelo aplicativo BlaBlaCar que Gilberto Casta Almeida, 26 anos, e Dorildes Laurindo, 56, acertaram viagem com um homem que se apresentava como Emerson. Partiram de Cachoeirinha com destino a Tramandaí, no Litoral Norte, de onde retornaram, no mesmo carro, numa viagem particular. No trajeto, o casal acabou baleado por policiais militares, após o motorista tentar escapar em uma perseguição. Dorildes morreu nesta quarta-feira (3).
Luiz Carlos Pail Junior, verdadeiro nome do condutor, estava foragido por tentativa de feminicídio. Mas os passageiros não faziam ideia disso. Para se cadastrar na plataforma, ele não apresentou documentos que comprovassem sua identidade.
GaúchaZH procurou a plataforma, que informou, por meio de nota, que “por não ser um serviço de cunho comercial, não existe a obrigatoriedade de verificação da documentação”. A BlaBlaCar afirmou ainda que o casal não estava em viagem pela plataforma no momento de retorno – mas o trajeto de ida foi acertado pelo aplicativo. A plataforma se define como uma comunidade de confiança que conecta quem procura uma viagem com quem tem espaço livre no carro.
No caso de Luiz Carlos, segundo a BlaBlaCar, ele optou por não apresentar documento algum – informação que poderia ser conferida ao acessar o perfil do motorista. A empresa confirmou que o mesmo condutor já tinha realizado outras viagens anteriormente.
Dorildes e Gilberto confiaram no condutor, mas ele havia inclusive informado um nome falso. A reportagem questionou a BlaBlaCar sobre a possibilidade de cadastro falso. A empresa reafirmou que não se trata de serviço de cunho comercial, e, por isso, não há obrigatoriedade de apresentar documentos. Sobre a checagem de antecedentes criminais, a empresa também informou que não é realizada, mesmo nos casos em que o condutor informa os documentos. O pagamento é feito diretamente pelo passageiro ao motorista e a empresa não recebe comissão pela viagem.
"No Brasil, a BlaBlaCar não monetiza a operação. Os países europeus operam em modelo monetizado que acaba financiando países com ritmos de crescimento como o Brasil. A BlaBlaCar não recebe nenhuma comissão por trechos percorridos em sua plataforma. Não é um serviço de cunho comercial e sim uma comunidade de confiança que conecta quem procura uma viagem com quem tem espaço livre no carro", afirmou a empresa.
Além disso, a BlaBlaCar confirmou que ele se apresentava como Emerson aos passageiros. "O condutor usava o perfil público com o nome de Emerson e optou por oferecer a carona sem identificar seus documentos, informação que fica disponível em seu perfil dentro do aplicativo, visível a todos que acessam a plataforma", afirmou a empresa.
Na prática, para oferecer caronas, basta fazer o cadastro com nome e e-mail – podem ser adicionados telefone, foto e documentos, mas isso fica a critério do motorista. O aplicativo inclusive destaca em seu site que para se cadastrar bastam 30 segundos. A reportagem testou a BlaBlaCar e conseguiu oferecer carona sem informar nada sobre documentos ou características do veículo. Fica a cargo de quem irá procurar a viagem filtrar essas informações e decidir quem ela considera de mais confiança na hora de combinar a carona.
Diferente de outros aplicativos, que são usados para trajetos diários, e a corrida pode ser aceitada por meio da própria plataforma, na BlaBlaCar o valor é pago ao motorista. O condutor inclusive pode alterar a quantia sugerida pelo aplicativo como pagamento antes de oferecer a carona.
Questionada se reconhecia alguma falha no episódio e se pretende tomar alguma medida sobre isso, a empresa voltou a informar “que não está envolvida na viagem com a ocorrência de confronto com a polícia”. Consta no site da plataforma que, conforme os Termos e Condições, a empresa não se responsabiliza por qualquer incidente decorrente do uso de caronas, inclusive no caso do transporte de menores de idade.
Responsável por investigar o caso, o delegado Eduardo Amaral, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Gravataí, confirmou que a viagem de retorno do casal foi acertada de forma privada e que a plataforma não deve ser responsabilizada penalmente. Mas alertou os usuários desse tipo de serviço para que adotem cuidados.
— O motorista estava utilizando um nome falso para tratar com os passageiros. A primeira orientação seria não contratar com quem não cadastrou documentos. Isso é o mínimo. E tentar confirmar os dados do motorista em fontes abertas de pesquisa — afirma o policial.
Quando questionada acerca da sua responsabilidade sobre a falta de documentos, a Blablacar respondeu:
"A empresa reforça a disponibilidade de diversas funcionalidades de segurança como verificação de foto, e-mail, telefone, avaliações e verificação de documentação (não obrigatória) que permitem que os condutores e passageiros escolham com quem vão viajar antes da viagem, e esclarece que não está envolvida na viagem com a ocorrência de confronto com a polícia", afirmou.
O caso
O técnico em radiologia e a costureira tinham se conhecido há quatro meses pela internet. Por isso, o angolano decidiu viajar ao Rio Grande do Sul para conhecer Dorildes e visitar locais turísticos.
Na volta da praia, na madrugada de 17 de maio, o motorista cruzou o sinal vermelho e passou a fugir de policiais militares. Quando ele parou o carro, já em Gravataí, os passageiros foram alvejados. O motorista escapou correndo, mas acabou sendo capturado logo depois – ele não prestou depoimento. Gilberto, além de ferido, acabou preso, e só foi liberado da cadeia dias depois. Dorildes permaneceu hospitalizada, mas não resistiu.
Como funciona o aplicativo
Cadastro
Basta informar um email ou utilizar a conta do Facebook para fazer o login. O telefone pode ser informado, mas é possível pular esta etapa. Não é obrigatório possuir uma foto de perfil. No entanto, a plataforma recomenda o uso para que se aumente a chance de encontrar uma viagem.
Veículo
Não é obrigatório enviar detalhes do carro, mas a plataforma orienta o motorista para que acrescente informações como placa e cor, para aumentar a segurança e confiança para os membros da comunidade, e aumentar a possibilidade de conseguir uma viagem.
Documentos
São aceitos como documentos RG, CNH ou passaporte, mas as informações são mantidas sob sigilo, segundo a plataforma. Para isso, é preciso enviar uma foto ou cópia digitalizada do documento. A confirmação de documentação, no entanto, não é obrigatória, sendo uma escolha do motorista. Os membros que enviam os documentos possuem um sinal de visto azul na foto e a legenda “Documentação confirmada” no perfil.
Avaliações
É possível avaliar o usuário com o qual manteve contato. É a forma por meio do qual a plataforma acredita que aumenta a confiança no uso do aplicativo. A BlaBlaCar incentiva os usuários a fazerem avaliações, como forma de ampliar as informações sobre motoristas e passageiros.
Segurança
A plataforma considera as avaliações e as informações prestadas pelo motorista – que podem ser conferidas pelo usuário – formas de aumentar a segurança. No site, a plataforma orienta que caso outro condutor ou passageiro, que não o apresentado no perfil, apareça no ponto de encontro, a viagem deve ser cancelada ou o motorista deve ser recusar a fazer o transporte. Se algum acidente ocorrer, o motorista é responsável por seus passageiros e é o seu seguro que deve cobrir todos os ocupantes do carro.
Confira nota da BlaBlaCar
"A BlaBlaCar, líder nacional em viagens de longa distância por meio de caronas compartilhadas, lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso com a criação de um ambiente de viagem seguro e confiável para os mais de 5 milhões de usuários da plataforma no País.
A empresa ressalta que a viagem realizada pelo casal Dorildes Laurindo e Gilberto Andrade com a ocorrência de confronto com a polícia e o incidente com tiroteio não ocorreu por meio da utilização da plataforma.
A companhia informa ainda que é uma comunidade de confiança que conecta quem procura uma viagem com quem tem espaço livre no carro. Funcionalidades como verificação de foto, e-mail, telefone e avaliações permitem que os condutores e passageiros escolham com quem vão viajar antes da viagem.
Por não ser um serviço de cunho comercial, não existe a obrigatoriedade de verificação da documentação. No referido caso, o condutor Luiz Carlos Pail Junior optou por oferecer a carona sem cadastrar seus documentos, informação que fica disponível em seu perfil dentro do aplicativo, visível a todos que acessam a plataforma.
A BlaBlaCar preza pela segurança de seus usuários e reitera que se encontra à disposição das autoridades para colaborar com as investigações."