O uso de força física para cobrar dinheiro emprestado e a extorsão de moradores obrigados a pagar por "segurança" colocou a Polícia Civil no rastro de um grupo criminoso que atua como uma espécie de milícia em Canoas, na Região Metropolitana. Segundo a investigação, o dinheiro ganho a partir da agiotagem fomenta o tráfico de drogas e o abastecimento de armas para a quadrilha, que é ligada a uma facção com base no Vale do Sinos.
Nesta quinta-feira (20), a 2ª Delegacia de Canoas desencadeou a Operação Praetorium para cumprir 12 mandados de prisão e 33 ordens de busca e apreensão na cidade e em Esteio, Imbé, Tramandaí e Rio Grande. Até as 10h30min, 13 pessoas haviam sido presas e dois adolescentes, apreendidos.
A investigação começou há dois anos, a partir da análise do conteúdo de mídias apreendidas em uma ação contra o tráfico de drogas.
Diretor da 2ª Delegacia Regional de Polícia Metropolitana, o delegado Mario Souza destaca que "chamou atenção na investigação o uso exacerbado de violência contra as vítimas e contra criminosos devedores". Segundo ele, "a investigação apontou para uma espécie de milícia onde ocorre o uso de uma 'segurança' ou 'guarda' das lideranças da quadrilha".
O grupo age principalmente nos bairros Nossa Senhora das Graças e Niterói e é suspeito de centenas de casos de tortura e espancamentos de pessoas que pediram dinheiro emprestado e que tinham dificuldade para pagar as prestações. Além de agressões, os "clientes" eram aterrorizados com ameaças de morte.
Membros da quadrilha chegavam a fotografar a casa das pessoas e mandar as imagens via mensagem de telefone para fortalecer as ameaças de invasão e até de agressão a familiares dos devedores. Para comprovar seu poder de comando e garantir os pagamentos com juros extorsivos, o homem apontado como chefe do esquema chegou a forjar um mandado de prisão contra ele próprio.
No documento, inseriu as informações de que era procurado pela polícia por ser membro de facção e por ser mandante de atos terroristas. Depois, enviava imagens da falsa ordem de prisão para clientes devedores terem certeza de seu grau de periculosidade.
O investigado costumava propagandear que tinha mais de 500 clientes no esquema de agiotagem, que ajudava a movimentar dinheiro do tráfico de drogas.
Outra forma usada para manter o controle na região foi a criação de uma empresa de segurança cuja contratação passou a ser exigida dos moradores pelos criminosos. A principal função do negócio seria lavar dinheiro obtido com o tráfico. Ainda assim, a empresa tinha funcionários (membros da quadrilha), cobrava mensalidades dos moradores e instalava nas casas placas com identificação.
Quanto ao grupo agir a estilo de milícia, o delegado Souza explicou que é pelo fato de ser uma organização armada que usa a força para coagir pessoas inocentes e impor os seus negócios. Ele disse que, até o momento, não há indícios de policiais atuando no grupo, o que normalmente caracteriza o uso do termo milícia, como no Rio de Janeiro.
— Milícia tecnicamente é a definição de qualquer grupo armado, mas no Brasil o termo foi popularizado como sendo grupo integrado por policiais da ativa ou ex-policiais, o quenão é o caso nessa investigação — disse Souza.
No material analisado nas mídias apreendidas no começo da investigação, também havia conversas com tratativas para compra e venda de drogas e de armas — que eram chamadas de "chuteiras" pelos criminosos. O principal investigado costumava valorizar o material que vendia pelo fato de as armas terem numeração. Dessa forma, quem fosse preso com uma delas teria possibilidade, prevista em lei, de pagar fiança, situação que não ocorre para quem é pego com armamento com numeração raspada.
Pelo menos 35 pessoas são investigadas por ligação direta com os crimes — incluindo criminosos já recolhidos a presídios — ou por emprestarem contas bancárias para a movimentação do dinheiro da quadrilha. Devido à Lei de Abuso de Autoridade, a Polícia Civil não revela os nomes dos investigados e dos alvos de ordens de prisão, nem comenta detalhes da apuração.