A lei sobre abuso de autoridade, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, entra em vigor nesta sexta-feira (3).
A nova legislação atinge, entre outros órgãos, integrantes de polícias, Ministério Público e Judiciário e especifica condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade, além de prever punições. Boa parte das ações já era proibida, mas de maneira genérica e com punição branda.
Aprovada em setembro, a nova lei tramitou com rapidez após a divulgação de mensagens trocadas entre integrantes da Lava-Jato, em meados do ano passado. Bolsonaro chegou a vetar pontos da lei, mas eles foram depois derrubados pelos parlamentares.
Efeitos da lei no RS
Conforme a chefe da Polícia Civil no Estado, Nadine Anflor, a lei foi um dos temas abordados em um seminário realizado pelo órgão no ano passado, onde orientações foram repassadas a policiais. Segundo a delegada, o trabalho continua sendo feito normalmente, mas alguns cuidados serão tomados.
— É evidente que as mudanças irão atrapalhar o trabalho, mas segue normal. Entre os principais prejuízos da nova lei, por exemplo, está o direito à informação da população, que será mais restrito. A divulgação de dados sobre os crimes, como fazemos em entrevistas, será mais restrita, sob pena de cometer algum crime — afirma.
Para Nadine, a falta de informação sobre o trabalho "pode aumentar a sensação de insegurança" da população. Outro ponto criticado é o trecho da lei que define como crime "submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações".
— Há ações que já eram consideradas abuso, e vão continuar sendo, mas interrogatórios noturnos, por exemplo, que são coisas comuns, não podem mais ser feitos.
As representações contra agentes públicos com base no abuso de autoridade tramitarão nas corregedorias das polícias ou dos Ministérios Públicos locais, segundo Nadine. No entanto, segundo a nova lei, se ao longo de seis meses não houver decisão sobre a ação, a vítima do abuso pode propor uma ação privada, ou seja, proposta por um advogado.
ENTENDA A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
O que pretende a lei?
O texto, que entra em vigor no dia 3 de janeiro, especifica condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade e prevê punições. Boa parte das ações já são proibidas, mas o objetivo é punir o responsável pelas violações
Que condutas são consideradas abuso?
Alguns exemplos:
- Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem que antes a pessoa tenha sido intimada a comparecer em juízo
- Invadir ou adentrar imóvel sem autorização de seu ocupante sem que haja determinação judicial e fora das condições já previstas em lei (não há crime quando o objetivo é prestar socorro, por exemplo)
- Manter presos de ambos os sexos numa mesma cela ou deixar adolescente detido na mesma cela que adultos
- Dar início a processo ou investigação sem justa causa e contra quem se sabe inocente
- Grampear, promover escuta ambiental ou quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei
- Divulgar gravação ou trecho sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado
- Mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou deixar de soltar ou substituir prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir
- Violar prerrogativas do advogado asseguradas em lei
- Continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado
O que torna as condutas criminosas?
É necessário que o ato seja praticado com a finalidade de prejudicar alguém, beneficiar a si mesmo ou a outra pessoa ou que seja motivado por satisfação pessoal ou capricho
Que exemplos de casos da Lava-Jato poderiam ter sido enquadrados na nova lei, caso ela já estivesse valendo à época?
- Condução coercitiva: quando foi conduzido coercitivamente, em março de 2016, o ex-presidente Lula não havia sido intimado a depor na investigação. Com a lei, isso fica vetado.
- Diálogos: em março de 2016, por ordem do então juiz Sergio Moro, foi tornada pública uma série de telefonemas trocados entre Lula e outras pessoas de seu convívio, como a sua mulher e filhos. O novo texto pune quem divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada
- Prisão preventiva: a Lava-Jato usou em larga escala a prática das prisões preventivas. A lei agora pune quem, "dentro do prazo razoável", deixar de relaxar a prisão "manifestamente ilegal, deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou deixar de conceder liberdade provisória quando manifestamente cabível".