A quantidade de celulares, drogas, bebida alcoólica e chips interceptados ao chegar pelo ar nas unidades prisionais do Rio Grande do Sul se multiplicou em 2019. Apenas o número de aparelhos móveis arremessados cresceu 72%: de 2.409 em 2018 para 4.138 telefones no ano passado. Em média, pelo menos 11 celulares são apreendidos após serem lançados às prisões do Estado a cada dia — os aparelhos são encontrados nos pátios. No mesmo ritmo, disparou em 76% o envio de chips, que subiu de 703 para 1.237 no período. O número de arremessos pode ser maior, uma vez que não há como saber se todos os equipamentos atirados são localizados pelos agentes.
Obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), os números da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) abrangem ocorrências de arremessos registradas nas 114 prisões gaúchas. Em todos os casos, os materiais foram apreendidos por agentes. Os registros totais cresceram 23% no período — 424 episódios em 2019 contra 344 no ano anterior. Entre os estabelecimentos prisionais onde mais aconteceram lançamentos de objetos estão o Presídio Central de Porto Alegre, as casas prisionais de Santa Vitória do Palmar, Santa Rosa e Lajeado e o Presídio Regional de Santa Cruz do Sul.
Os dados revelam também que a entrada de drogas triplicou no caso da cocaína _ foram 7,9 quilos apreendidos em arremesso no ano passado frente a 2,4 quilos em 2018. Já a quantidade de maconha dobrou _ o contingente subiu de 53,1 quilos em 2018 para 113,9 quilos no ano passado. O montante de bebidas alcoólicas é ainda maior: de 12,7 litros foi para 82,2 litros, ou seja, 547% a mais.
Em um primeiro momento, essas ações se refletem no aumento de arremessos, porque o acesso tradicional, via visitas, está sendo reduzido, mas em uma segunda onda, esses números vão decrescer. Ao mesmo tempo, há novidades, como uso de drones para arremessos e teremos de investir em tecnologia contra isso.
CESAR FACCIOLI
Secretário da Administração Penitenciária
A explicação para o crescimento nas apreensões está em dois fatores, segundo o secretário da Administração Penitenciária Cesar Faccioli: a intensificação das operações de revistas e a qualificação de protocolos de segurança, especialmente com o uso de tecnologia.
— Em um primeiro momento, essas ações se refletem no aumento de arremessos, porque o acesso tradicional, via visitas, está sendo reduzido, mas em uma segunda onda, esses números vão decrescer. Ao mesmo tempo, há novidades, como uso de drones para arremessos e teremos de investir em tecnologia contra isso — avalia o secretário.
Até o começo de dezembro, 43 drones foram apreendidos sobrevoando as prisões gaúchas apenas em 2019. No Presídio Central, a maior parte dos arremessos utiliza essa tecnologia, segundo a juíza da Vara de Execuções Criminais, responsável por fiscalizar a Cadeia Pública, Sonáli da Cruz Zluhan:
— O policiamento no entorno diminuiu muito os arremessos manuais. Mas o drone não tem como coibir. Ele entrega o material na janela. Tem final de semana que é impressionante a quantidade de drone sobrevoando e não se consegue coibir isso. Não se tem efetivo para cuidar de drone. É noite e dia sem parar.
Para a magistrada, o grande contingente de envio de drogas está relacionado à falta de tratamento penal adequado ao preso:
Qual a maneira de manter muita gente calma junta? Com álcool e droga. São muitos homens ociosos reunidos. Eles ficam trancados num lugar sem fazer nada o dia inteiro. Eles não estudam, não trabalham, no máximo fazem uma faxina. É óbvio que vai entrar droga.
SONÁLI DA CRUZ ZLUHAN
Juíza da Vara de Execuções Criminais
— Qual a maneira de manter muita gente calma junta? Com álcool e droga. São muitos homens ociosos reunidos. Eles ficam trancados num lugar sem fazer nada o dia inteiro. Eles não estudam, não trabalham, no máximo fazem uma faxina. É óbvio que vai entrar droga.
Na avaliação do diretor da casa prisional, tenente-coronel Carlos Magno da Silva Vieira, a localização do Presídio Central, no bairro Aparício Borges, em região bastante urbanizada, também facilita o lançamento de objetos.
— Fizemos o máximo para que não aconteça. Nossa área é muito extensa. Quando as ocorrências se mantêm em horário fixo, fizemos levantamento e conseguimos efetuar prisão, mas normalmente não tem padrão, acontece de dia e à noite — explica o oficial.
Ao mesmo tempo que criminosos tentam sofisticar as formas de burlar o controle dos presídios, o Estado, por outro lado, investe em mais tecnologia. Oito unidades prisionais têm scanners corporais, utilizados nas revistas de visitantes, e nas próximas semanas, mais quatro prisões receberão o equipamento. Segundo Faccioli, parcerias com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) irão possibilitar a implantação de cinco bloqueadores de celulares neste ano, com recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) – a única prisão do Estado com o equipamento é a de Canoas.
Outro esforço, conforme o secretário, é utilizar telas para fechar os pátios dos principais presídios, a partir de mapeamento dos locais nos quais há maior incidência de arremessos.
Entre as cinco unidades que mais registram lançamentos de objetos, o Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, tem seus pátios totalmente telados, mas possui característica particular. Por estar localizada em terreno de baixada, a casa prisional fica em nível inferior da rua, o que facilita a ação. A delegada titular da 8ª Região Penitenciária, Samantha Longo, vê de forma positiva a posição da unidade de Santa Cruz do Sul entre que têm mais ocorrências:
— Isso demonstra o número de vezes em que se coibiu a entrada de objetos. Todo arremesso fica na tela do pátio. Toda ocorrência, ao ser identificada, gera um registro e não entra no prédio, fica em algum ponto dos nossos obstáculos externos. Infelizmente, todos os dias temos de descobrir quais são as formas que eles estão criando para facilitar a entrada de objetos ilícitos. Eventualmente, os presos vão conseguir alguma forma e furar alguma barreira — explica Samantha.
A tela e o muro que cercam a unidade não evitam totalmente a entrada de objetos. Em setembro do ano passado, durante a operação Pente Fino 55 no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul _ com 390 detentos para 166 espaços _, foram apreendidos, entre outros itens, 17 celulares, 20 carregadores e uma balança de precisão.
Punições brandas
A dificuldade em penalizar quem tenta lançar objetos para o interior das unidades prisionais também é barreira. Entre 2018 e 2019, um homem foi abordado ao tentar arremessar celulares e bebida alcoólica para o Presídio Regional de Passo Fundo pela sexta vez. O indivíduo foi conduzido a delegacia, assinou termo circunstanciado e foi liberado. Isso porque o delito é uma infração penal de menor potencial.
Temos uma varredura de nomes e são sempre os mesmos, muitas vezes são adolescentes e que já foram apreendidos várias vezes. Arremessar celular não é crime, não dá cadeia e nem tem a punição que deveria.
ALEXO WALLAU
Delegado da 4ª Região Penitenciária, em Passo Fundo
— Temos uma varredura de nomes e são sempre os mesmos, muitas vezes são adolescentes e que já foram apreendidos várias vezes. Arremessar celular não é crime, não dá cadeia e nem tem a punição que deveria — afirma o titular da 4ª Região Penitenciária, Alexo Wallau.
Equipamentos eletrônicos, drogas e álcool são os itens mais apreendidos por lançamentos na unidade. Segundo o delegado, o objetivo é instalar telas em toda extensão do pátio para evitar os lançamentos.
A maior parte dos itens encontrados nos pátios chegam jogados por arremesso, arco e flecha ou drones, mas é incomum que uma pessoa seja flagrada e presa protagonizando o delito, afirma o coordenador das Delegacias de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA) de Porto Alegre, delegado Rodrigo Reis.
— É muito raro alguém ser preso por arremesso. Se for pego jogando droga, pode configurar tráfico de drogas. Agora se for celular, é algo de menor potencial ofensivo — explica o delegado.