Carlos*, 51 anos, preparava-se para encerrar o dia de corridas como motorista de aplicativo na zona sul de Porto Alegre na tarde de 3 de janeiro. Pouco depois das 15h, deixou um passageiro no bairro Belém Velho, e parou o Linea logo adiante para verificar se o cliente não havia esquecido algo no banco traseiro. Quando percebeu, já estava na mira de uma pistola. Era o início do assalto que lhe resultaria em um tiro na mão e um ferimento na cabeça. Em casa, na companhia da família, o condutor conversou com GaúchaZH. Ele ainda se recupera dos traumas e está decidido a abandonar o trabalho.
O motorista, que havia começado a fazer corridas após ficar sem emprego há cerca de dois meses, nunca tinha sido assaltado. Naquela tarde, passou em um posto de combustíveis e logo depois foi atender uma corrida. Ele havia abastecido com a intenção de retornar para casa. Carlos evitava trabalhar durante a noite, com receio da violência. O passageiro desceu na Rua Doutor Vergara, onde o condutor parou e saiu do veículo.
— É um assalto! Perdeu! Perdeu! — gritava o assaltante que já havia invadido o Linea e apontava uma pistola para o motorista.
O condutor levantou os braços e foi obrigado pelo criminoso a entrar no carro. O ladrão exigia que ele entregasse os pertences e queria a chave do carro.
— Tá na ignição — respondeu o motorista, por duas vezes, a mesma pergunta.
— Tu acha que eu tô de brincadeira? — intimidou o criminoso, após a segunda resposta e, na sequência, apertou o gatilho.
A pistola estava apontada para a cabeça de Carlos, mas não disparou. O motorista, então, foi golpeado com a arma, que provocou um corte em sua cabeça. Os dois começaram a lutar dentro do carro. O condutor forçava a arma para o alto, tentando evitar que voltasse a mirar seu rosto. O assaltante fazia força no sentido contrário. Enquanto os dois brigavam, a pistola disparou uma segunda vez. Desta vez, não falhou.
— Ele queria atingir minha cabeça. Mas como eu estava empurrando para cima, disparou na minha mão — conta o motorista, ao mostrar uma das mãos imobilizada e a outra com hematomas.
O disparo atingiu o polegar direito do motorista, que continuou lutando com o assaltante. Foi então que percebeu o vulto de alguém que corria na direção do carro e que havia outro veículo estacionado logo na frente, a cerca de uns oito metros. Era um comparsa do assaltante que vinha na direção deles. Com receio de ser imobilizado pelo outro, Carlos se jogou para fora do Linea.
— Vamos embora! — ordenou o outro criminoso, enquanto o que estava com a pistola assumia o volante do Linea.
— Provavelmente o outro não estava armado, ou teria atirado. Ele arrancou e eu fiquei lá, ensanguentado — conta o motorista.
Ele tentou pedir socorro aos outros condutores que passavam pelo local, mas ninguém parava. Uma moradora viu o homem ferido na rua e abriu o portão, deixando que ele aguardasse pelo socorro em seu pátio.
— Eu já estava tonto, por conta do sangue perdido. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo — recorda.
O motorista foi socorrido e encaminhado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), onde passou por cirurgia na mão e recebeu cinco pontos na cabeça. A Brigada Militar passou a fazer buscas, mas os ladrões não foram localizados. Já o veículo foi encontrado abandonado na mesma tarde, cerca de 20 minutos após o roubo, no bairro Restinga. Segundo o delegado Luciano Coelho, da 13ª Delegacia de Polícia, o caso continua sendo investigado, mas até o momento não há suspeitos identificados.
Podia ter levado o carro, o celular. Outra coisa é tua integridade física. Foi muito agressivo. Na hora passa um filme na tua cabeça. O último abraço, último beijo. Não passa nada de bem material. É tua vida que está em jogo. Aquele instante que tu não sabe se vai voltar ou não para casa. Não pretendo voltar para o aplicativo.
VÍTIMA DE ASSALTO
Carlos recebeu alta do hospital na manhã de segunda-feira (6), três dias após o assalto. Ele segue com a mão imobilizada e a primeira avaliação médica deve ocorrer somente em cerca de 40 dias. O condutor ainda não sabe quanto tempo será necessário para a recuperação e nem se os movimentos ficarão comprometidos. Mas já decidiu que não realizará mais corridas.
— Podia ter levado o carro, o celular. Outra coisa é tua integridade física. Foi muito agressivo. Na hora passa um filme na tua cabeça. O último abraço, último beijo. Não passa nada de bem material. É tua vida que está em jogo. Aquele instante que tu não sabe se vai voltar ou não para casa. Não pretendo voltar para o aplicativo — conclui, enquanto vê a neta engatinhar pela sala.
Em média, 30 roubos por dia
Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado, em 2019 foram registrados em média 30 roubos de veículo por dia no Rio Grande do Sul. Embora a média seja expressiva, o ano apresentou redução neste tipo de crime. Foram roubados quase 5 mil veículos a menos em comparação com 2018. O ano passado teve 11.136 casos contra 16.129 no anterior — queda de 30%. A média em 2018 era de 44 veículos roubados por dia.
Também a fim de comparativo, pode-se verificar que a média desde 2002, quando os dados passaram a ser divulgados pela SSP, é de 35 registros por dia — foram levados 236,2 mil veículos no período. O primeiro ano de divulgação foi justamente o com menor número de registros — foram 8,3 mil casos em 2002 (média de 22 por dia). Na contramão, o ano de 2015 apresentou o maior quantidade de roubos, com 18,1 mil casos e média de 49 por dia.
* O nome usado nesta reportagem é fictício para proteger a identidade da vítima.