Em 9 de março, João Vitor Saldanha Cunha, 22 anos, deveria deixar São Sepé, na Região Central, com destino a Limerick, na Irlanda, onde permaneceria por oito meses para estudar inglês. Após concluir a graduação em Engenharia Química no final de 2019, esperava neste ano concretizar o sonho de infância. Seria sua primeira viagem à Europa. Agora, o jovem acredita que o objetivo precisará ser adiado. A agência 4U Study, da qual adquiriu o pacote, é investigada por suposto golpe do intercâmbio.
Com unidade em Dublin, capital irlandesa, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro, a empresa vendia pacotes pela internet. Desde 24 de dezembro, consultores passaram a fazer contato com clientes relatando que não conseguiam mais falar com o proprietário. As redes sociais da 4U Study foram apagadas. Dois dias depois, em São Sepé, enquanto planejava os detalhes da viagem, João Vitor foi alertado por uma mulher que trabalhava para a agência: “Estou preocupada e, na condição de funcionária, estou indo atrás dos meus direitos. Sugiro fazer o mesmo”.
Quando a notícia se espalhou pelas redes sociais, intercambistas começaram a se unir para trocar informações. No grupo de WhatsApp do qual João Vitor participa, há 257 pessoas que se dizem lesadas pela empresa em diferentes Estados. Em São José dos Campos, foram registrados 21 casos. Segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, os policiais estão ouvindo as vítimas e buscando o esclarecimento dos fatos. A reportagem de GaúchaZH tentou contato com Djalma Remondini Filho, proprietário da 4U Study, em dois números de telefone, mas permaneciam desligados nesta quinta-feira (2).
João Vitor, assim como outros clientes da agência, fez o boletim de ocorrência na cidade onde mora. O jovem procurou a Polícia Civil na tarde de quinta, e o caso foi registrado como estelionato. Pelo pacote, que além do curso incluía acomodação por duas semanas em Limerick, a família do rapaz pagou R$ 10,6 mil. O intercâmbio foi um presente dos pais.
— Era sonho desde criança. Estava apostando meu 2020 nisso. Ver isso indo por água abaixo é frustrante, devastador. Meus pais ficaram bem chateados por mim e chocados. Eles me incentivam a não desistir. Mas é um plano que será adiado — relata o jovem.
Titular da Delegacia do Consumidor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o delegado Joel Wagner orienta as vítimas a procurarem uma delegacia para fazerem registro. Verificar se não há reclamações de clientes é um dos cuidados indicados.
— Uma regra básica é verificar se não há reclamações na internet, em redes sociais, no Procon. No caso do intercâmbio, pode ser interessante fazer contato com a instituição de ensino lá fora. É preciso ter cuidado com ofertas tentadoras, com preços abaixo do mercado.
João Vitor diz ter tomado precauções antes de fechar o negócio, em outubro. Mas não foram suficiente para evitar o transtorno. Orientado pelos pais, ele procurou informações sobre a empresa na internet, conversou com outros intercambistas e verificou se não havia reclamações.
— Na época, não tinha nada anormal. Resolvi fechar com eles. Não tinha nenhum motivo que me fizesse suspeitar. Agora vou procurar um emprego e juntar esse dinheiro de novo — planeja.
Jovem chegou a deixar emprego
Engenheira de alimentos em Rio Grande, na região sul do Estado, Paola Lopes Cavalheiro, 28 anos, abandonou o emprego disposta a realizar o sonho de fazer intercâmbio em Dublin. Contratou pacote com a 4U Study por R$ 13 mil. Com embarque previsto na sexta-feira da próxima semana, dia 10 de janeiro, agora a viagem tem futuro incerto.
— Perdi minha escola, acomodação e seguro governamental (seguro-saúde exigido pelo governo irlandês). Descobri esta semana. Estou tentando achar outra escola, mas estão todas paradas. A minha ideia é ir ainda porque estou com a passagem comprada, euro comprado. Não tem como me desfazer dessa ideia — conta.
Em Campo Bom, no Vale do Sinos, Juliano Dias das Neves, 32 anos, não está tão otimista. Para juntar dinheiro, chegou a vender parte dos móveis da sua casa. Pretendia alugar a moradia, para ter renda extra. Pelo pacote para realizar o curso de inglês em Dublin, pagou R$ 10 mil.
— Era sonho antigo, de tentar uma oportunidade lá fora. Encontrei a 4U, que tinha histórico bom. Sempre penso: “o barato sai caro”. E não era a mais barata. Por tudo que pesquisei, parecia a melhor opção. Vendi televisão, sofá. Mas não vou desistir do meu sonho. Só vou ter de adiar mais ainda — diz.