Indiciados por formação de milícia, tortura e ameaça, três empresários do Vale dos Sinos são apontados pela investigação comandada pelo delegado Fernando Branco como responsáveis por uma série de ataques entre 2016 e 2018. Embora a polícia não divulgue os nomes dos suspeitos, a reportagem confirmou que são José Darcy Leão e os dois filhos, Lucas e Mateus.
No entendimento do titular da DP de Sapiranga, a ação mais grave e violenta cometida pelo trio envolve um borracheiro que recebeu uma roda de um carro da família que teria sido furtada em junho de 2018. O homem que teria furtado a roda foi torturado e espancado pelo grupo, sem nunca ter sido encontrado ou identificado pela polícia. O borracheiro também acabou espancado pelo trio.
Era começo de uma manhã de junho de ano passado, quando quatro homens armados chegaram à borracharia. Assim que o borracheiro reconheceu o cliente que teria deixado o suposto estepe furtado, o grupo teria fechado a porta do estabelecimento e o espancado. O dono do local foi agredido com socos e facadas.
— Enquanto um me segurava, os outros dois me espancavam. Um de cada lado. Foi um pânico — afirma o borracheiro.
Ele quebrou duas costelas e ficou 45 dias afastado do trabalho. Mais de um ano após aquela manhã, ele resiste a falar sobre o assunto, especialmente pela notoriedade que os suspeitos têm na cidade:
— Assim que me disseram que o guri que estava no porta-malas tinha levado a roda do carro deles, eu disse para procurarem a polícia. Mas aí eles falaram: "Nós somos a autoridade". E começaram a me espancar.
O grupo deixou a borracharia levando no porta-malas do carro o jovem, que não foi encontrado e nem identificado pela polícia, e com a roda que teria sido roubada.
Para o delegado Fernando Branco, o grupo age como milícia.
— Não é tolerável que pessoas particulares assumam funções que são exclusivas do Estado. Alcançar justiça cabe ao Estado, por meio das instituições pertinentes como Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário. Se assumir que particulares assumam as funções, estamos caminhando para a barbárie, e isso não é aceitável — declarou.
"É um trauma"
Outro caso apontado pela polícia como de autoria da família Leão foi um ataque a um comprador de gado, de 61 anos, e ao seu filho, de 24 anos, na localidade de Morro Pelado, em Taquara. A suposta vítima contou à reportagem que, devido a uma disputa por herança, ele teria sido impedido de acessar a propriedade da família.
Em uma tarde de agosto do ano passado, ao tentar entrar nas terras, deparou com um guarda de uma empresa de segurança privada local. Ele conta que o segurança lhe pediu para esperar, dizendo que chamaria o proprietário da empresa onde trabalha para conversarem. O comprador de gado conta que esperou, sem se preocupar. Minutos depois, o proprietário da empresa de segurança chegou acompanhado de Darcy e os dois filhos. A vítima conta que logo reconheceu Darcy, de quem era conhecido e já havia comprado gado.
— Na hora nem imaginei que isso pudesse acontecer. Tentei conversar, mas eles pediram para eu levantar as mãos. Eu não levantei e atiraram na minha perna — relata.
A bala teria atravessado a perna direita e atingido a esquerda. Segundo ele, todos estavam armados.
Era impossível se defender com os caras apontando uma arma para minha cabeça. Ficamos meia hora apanhando. Foram chutes, socos e pontapés. Enquanto eu apanhava, colocaram uma arma na cabeça do meu filho. Quando eu estava quase inconsciente, ainda pediram para eu não procurar a polícia.
HOMEM QUE SE DIZ VÍTIMA DA MILÍCIA
— Era impossível se defender com os caras apontando uma arma para minha cabeça. Ficamos meia hora apanhando. Foram chutes, socos e pontapés. Enquanto eu apanhava, colocaram uma arma na cabeça do meu filho. Quando eu estava quase inconsciente, ainda pediram para eu não procurar a polícia.
A vítima ficou cinco dias internada no Hospital Sapiranga. Uma coronhada na orelha preserva uma cicatriz até hoje. Devido à formação de um coágulo, precisou fazer uma cirurgia na semana passada. O filho levou sete pontos no nariz e não quis conversar com a reportagem.
— Tremo só de lembrar. Tudo isso aconteceu na porta da propriedade onde eu nasci e me criei — afirma ele, que suspeita que o ato tenha ocorrido a mando de um familiar.
Depois do ataque, o homem conta que passou a sofrer de hipertensão e a tomar antidepressivos.
— É um trauma. Isso é pior que assalto, foi algo premeditado, alguém mandou fazer isso comigo. Minha vida virou de ponta cabeça. Tem dias que não tenho vontade de sair de casa. Todo mundo tem medo deles em Sapiranga — afirma.
Neste caso, Darcy foi indiciado por lesão corporal culposa. No Judiciário, o caso tramita no Juizado Especial Criminal (Jecrim), onde foi feito Termo Circunstanciado pelo mesmo crime do qual foi responsabilizado pela Polícia Civil.
Atitudes "muito desproporcionais"
O primeiro fato que teria sido cometido pelo grupo e que chamou atenção da polícia ocorreu em 2016, quando um homem teria furtado uma vaca da propriedade da família Leão. Dias depois, o suspeito do suposto crime foi visto passando de carro com a esposa e o filho em Sapiranga. O grupo teria perseguido e disparado duas vezes contra o carro. José Darcy, Lucas e Mateus foram indiciados por tentativa de homicídio.
— As atitudes são muito desproporcionais. O borracheiro apanhou por causa de uma roda de um Corcel — avalia o delegado.
Apenas na DP de Sapiranga, a família é investigada em três inquéritos. A partir de informações repassadas pela Polícia Civil, o Exército suspendeu o Certificado de Registro de atirador — que permite atuar em tiro esportivo, em caça e ser colecionador de armas — do pai e dos dois filhos. Também proibiu que eles atuassem como despachantes de outros atiradores. De acordo com o delegado, mesmo assim, eles seguem atuando no mercado de armas.
Em Sapiranga, a família Leão alcançou certa notoriedade. Possui um clube de tiro, loja de armas e uma cabanha onde comercializavam gado e já teve uma construtora. Também já teve integrantes no Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro) de Sapiranga. Em 2017, Darcy foi presidente do Consepro. Trabalhou pela reforma do prédio da DP de Sapiranga.
Contrapontos
Em conversa com GaúchaZH por telefone nesta quinta-feira (31), José Darcy declarou que "nega veementemente os crimes contra ele e seus filhos", mas preferiu não comentar o teor das investigações contra sua família. Em depoimento à Polícia Civil, manteve-se em silêncio. Nesta sexta-feira (1º), GaúchaZH procurou Darcy novamente:
— Trata-se de uma armação da polícia contra mim e minha família.