Morta em uma tentativa de roubo enquanto caminhava na Cidade Baixa na madrugada de segunda-feira (18), Nathana Stephany Marques Gay, 23 anos, não tinha parentes próximos vivos. Mas ao longo da vida, conseguiu unir amigos e construir a família pela qual era amparada mesmo sem laços de sangue. Foram eles que acompanharam atônitos o enterro da jovem no final da manhã desta terça-feira (19) no Cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre.
— Ela era muito leve mesmo tendo perdido a mãe cedo. Isso a fez amadurecer rápido. A Nat nos ensinou que tu podes fazer tua própria família — afirma a estudante de Ciências Sociais Gilse Mattos, 23 anos, amiga da vítima desde os 10 anos.
Foi ao defender uma amiga que Nathana acabou levando um tiro na cabeça quando estava na Rua da República com outras duas meninas. A jovem de 20 anos que vive em Alvorada e foi protegida pela vítima conta que as três saíram de um bar na Rua José do Patrocínio para ir a casa de uma delas. O trio decidiu ir pela República justamente por ser mais movimentada evitando outras vias que estavam desertas naquele horário. Foi quando foram surpreendidas por um criminoso:
— Estávamos caminhando a menos de um minuto na República, quando um cara chegou e anunciou o assalto. Quando isso ocorreu, as gurias correram e paralisei. Aí, ele puxou a alça da minha pochete por trás e caí no chão, de joelhos. Foi aí que a Nat voltou e peitou o cara. E saí correndo e ouvi aquele barulho (do disparo). Ela morreu como uma heroína, que era o que sempre fazia. Os amigos eram tudo para ela — lembra a jovem que pediu para não ser identificada.
A Polícia Civil ainda não divulga detalhes do crime para não atrapalhar as investigações, mas o titular da 1º Delegacia de Polícia, delegado Paulo Jardim, não descarta que três pessoas tenham participado da ação: o homem que atirou e outras duas pessoas que estariam em um carro usado para fugir do local. A polícia trata o crime como latrocínio.
Na segunda-feira (18), dia do assassinato, Nathana começaria em novo cargo na corretora de seguros da qual era empregada na Cidade Baixa desde março. Segundo amigos, de recepcionista passaria a ser assistente administrativa. O velório e o enterro desta terça-feira foram pagos pela empresa.
— Ela se sentia muito bem lá e adorava o fato de poder ir a pé para o trabalho — lembra Gilse.
No domingo, Nathana e a amiga que ela defendeu passaram a tarde na orla do Guaíba. Mais tarde, encontrou outras duas amigas, incluindo Gilse, em um bar da Cidade Baixa. Gilse não estava na cena do crime por ter decidido retornar mais cedo para casa.
— Quando fui embora, a Nat me acompanhou até em casa e depois voltou. Ainda disse que não precisava, mas ela insistiu. A Nat era assim: mãezona da gente — recorda Gilse.
Segundo os amigos, Nathana não tinha pai e perdeu a mãe aos 17 anos, após realizar uma cirurgia no coração:
— Se ela tivesse de dar a vida para salvar um amigo, daria. Ela faria o que fez por qualquer amigo. Para nós, que enterramos a mãe dela, agora termos de enterrar ela também, dói muito — comenta a mãe de um amigo de Nathana.
União de amigos
Foi graças a mobilização dos amigos que o corpo de Nathana foi liberado ainda na segunda-feira. Como não havia familiares de sangue para reconhecer e liberar o corpo no Departamento Médico Legal (DML), a mãe da menina que foi defendida por Nathana precisou fazer solicitação à Justiça para que pudesse liberar o corpo. A pressão dos amigos no Fórum, acredita a mãe, foi fundamental para acelerar a autorização para que o corpo de Nathana pudesse ser reconhecido e velado por eles.
Nathana nasceu em sítio em Viamão mas cresceu na Cidade Baixa. Com a mãe, morou na Rua Joaquim Nabuco e na Avenida João Pessoa. Após a mãe morrer, chegou a viver um período na casa de amigos em Alvorada, mas havia retornado para o endereço na Joaquim Nabuco, onde morava sozinha. Estudou na Escola Estadual de Ensino Fundamental Rio de Janeiro e no Colégio Júlio de Castilhos.
— A gente se criou na Cidade Baixa desde criança. Não tínhamos medo de andar no bairro. A vida dela era toda ali — afirma o estudante de Arquitetura Pietro Rodrigues, 22 anos.
Nathana e Pietro se conheciam desde a 5ª série do Ensino Fundamental e estavam com viagem marcada para Torres, no início de dezembro, onde visitariam uma amiga em comum da época do colégio. Em abril do ano que vem, com outras duas amigas, Nathana planejava ir a São Paulo para assistir ao Lollapalooza.
— A Nat era muito corajosa, destemida. Nos incentivava a arriscar mais para as coisas acontecerem. O que me consola um pouco é que até o último momento ela viveu fazendo o que tinha vontade de fazer. Era dona da própria vida — afirma Pietro.
Há pouco tempo, a jovem tinha feito curso de informática na Escola Técnica Alcides Maya, no Centro Histórico. Também havia decidido estudar ao longo de 2020 para prestar vestibular para Psicologia na UFRGS, em 2021. No futuro, tinha planos de ir morar no Canadá.
— Ela dizia que este era o ano da vida dela, que eram quando as coisas estavam acontecendo mesmo. Ela andava muito animada e estava focando na vida dela, em se cuidar. Estava apaixonada por dança de rua — recorda Pietro.