Os sons das três salvas de tiros seguidos pelo toque da corneta romperam o silêncio que havia tomado conta de Cachoeira do Sul, na Região Central, desde a tarde de segunda-feira (25), quando a notícia da morte da soldado Marciele Renata dos Santos Alves, 28 anos, se espalhou pela cidade. As honras militares indicavam que o corpo da policial entrava no Cemitério Municipal. O caixão estava coberto pela bandeira do Rio Grande do Sul e era carregado por colegas do Pelotão de Operações Especiais (POE) de Santa Cruz do Sul, do qual ela fazia parte.
Conhecida pela sua determinação, Marciele vivia um sonho de criança ao entrar no pelotão de elite do 23º Batalhão de Polícia Militar (BPM). Inspirada no padrasto, a quem tinha como pai, começou a trilhar cedo o caminho militar. Ingressou na corporação aos 21 anos, passando por diversas áreas até chegar ao POE.
— No Pelotão de Operações Especiais não é qualquer um que entra. É um grupo fechado, é uma família. Para uma mulher entrar então, mais (difícil) ainda. Hoje, a mulher quebra paradigmas na Brigada. Minha filha era uma ótima profissional e morreu em combate, fazendo o trabalho dela — contou o padrasto e sargento da reserva Gilson Alceu Kappel.
Foi por sua atuação em várias áreas da Brigada Militar (BM) que centenas de policiais militares passaram durante o dia pela Capela Madre Tereza, onde ocorria o velório desde as 9h30min. Além dos que chegaram em viaturas e carros particulares, dois ônibus saíram de Santa Cruz do Sul e Rio Pardo levando mais PMs para se despedirem de Marciele. Dezenas de coroas de flores enchiam a capela onde ocorria o velório.
Após o sepultamento, a bandeira do Rio Grande do Sul que cobria o caixão foi dobrada e entregue à família da soldado, conforme prevê o rito fúnebre militar. Em discurso emocionado e interrompido diversas vezes pelo choro, o comandante regional da Brigada Militar no Vale do Rio Pardo, coronel Valmir José dos Reis, destacou a coragem, determinação e qualidade da policial.
Foi por esses atributos que a soldado ascendeu rapidamente para o Pelotão de Operações Especiais, após um período no serviço de inteligência, onde substituiu o próprio padrasto, que foi para a reserva. Assim como ele, conviveu com a incerteza se conseguiria retornar para casa ao fim do trabalho.
— Quem veste o manto sagrado da Brigada sabe o que é sair de casa e não saber se vai voltar. Ela saiu, deu tchau e eu esperei ela voltar. O que me conforta é que ela morreu honrando seu juramento — contou o sargento da reserva.
Quando estava sem a farda, Marciele tinha segunda paixão: a fisioterapia. Por influência da mãe, que é enfermeira, cursou a faculdade e, atualmente, fazia especialização. Apesar de não atuar profissionalmente na área, usava seu conhecimento em trabalhos voluntários e imaginava que um dia poderia ser necessário para socorrer colegas feridos em combate.
Também descrita por muitos como uma mulher empoderada e disposta a quebrar paradigmas, gostava de jogar futebol com as amigas que fez em Cachoeira do Sul — atividade que se tornou menos comum depois de ser transferida para Santa Cruz do Sul.
— Sabia o que queria. Sempre tinha uma opinião bem formada. Era isso que ela queria e ela sempre buscou. Até nos jogos, mostrava muita determinação — contou Ana Paula Pinheiro, que conhecia a soldado há 10 anos.