Às 14h47min de terça-feira (15), enquanto reabria a porta do seu armazém no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre, um comerciante admitiu que aquele era o pior dia da sua vida. Por volta das 17h de segunda-feira (14), dois adultos e um adolescente invadiram o mercado, na Estrada Antônio Severino, rendendo uma cliente, além da esposa e da sogra dele. O proprietário reagiu, atirou em dois ladrões e matou um deles. Benhur Felipe Pacini de Oliveira, 21 anos, tombou perto do local. Um adolescente de 16 anos ficou ferido. O terceiro homem fugiu e é procurado. Cada um, segundo a Polícia Civil, portava uma arma falsa.
— Não faria isso mais uma vez. Se acontecer de novo, não reajo. Foi uma decepção ver aquela gurizada no chão, com arma de plástico. Tenho idade para ser pai deles. Eram crianças. Hoje (terça-feira) é Dia do Professor. Se esse país valorizasse o educador, isso não aconteceria — afirma o homem de 48 anos, pai de quatro filhos.
No momento do assalto, o dono do mercado estava nos fundos do estabelecimento. Ao voltar à loja, ouviu, do corredor, que havia movimentação diferente do comum. Recuou, pegou a arma que estava em casa e retornou pela frente. Com o revólver, parou na lateral da porta, o que o impedia de ver a movimentação dentro do estabelecimento. Na dúvida, arriscou:
— Foi uma agonia porque não sabia quantos homens eram. Mas minha esposa e minha sogra estavam lá. Era tudo ou nada. Decidi entrar. Acabei sendo o fator surpresa. Quando entrei na loja, tinha um rapaz que estava no corredor, viu minha sombra, virou-se, apontou a arma em minha direção e eu atirei. Não tive dúvida. Não ia esperar ele atirar em mim.
O comerciante disparou seis vezes. Três tiros acertaram Oliveira, um baleou o adolescente e outro ricocheteou no marco da porta. Acabou atingindo o pé da sua sogra. Ela está internada em hospital da Capital e deve ter alta até sexta-feira.
— De longe, não tinha como ver se era arma de brinquedo — justifica.
Baleado, Oliveira teria corrido pela porta lateral e entrado no Classic preto usado na ação. Morreu no veículo. O adolescente tombou em frente ao estabelecimento. Enquanto isso, o terceiro criminoso, que o proprietário do mercado não chegou a ver, fugiu e abandonou uma arma falsa próximo ao local.
Vendedor há 30 anos, o comerciante abriu o armazém há 10 meses, no mesmo bairro em que nasceu. Trabalhou desde os 18 anos como distribuidor de alimentos, teve outro estabelecimento e pretende ampliar o mercado. Diz já ter sido assaltado 27 vezes sem nunca ter reagido antes. Em março deste ano, após o irmão ser assaltado quando estava na casa da mãe, a família, que então vivia em Alvorada, decidiu retornar ao Rubem Berta.
— Quando assaltam e tu estás na rua, entrega tudo e deu. Agora, quando envolve família, é complicado. É muito ruim — afirma o comerciante que tem arma registrada há 25 anos.
Surpreso com a repercussão da sua reação, o dono do armazém passou a terça-feira (15) recebendo mensagens e ligações com parabéns de amigos e conhecidos. Enquanto conversava com GaúchaZH, um vizinho gritou, aprovando o ato do dia anterior. Foi cumprimentado, inclusive, por policiais.
— Nunca recebi tanto parabéns na minha vida. E isso está errado. As pessoas me dizendo que é isso mesmo. Mas não é. Não posso ser ovacionado por matar alguém. As pessoas se sentem tão desassistidas que pensam dessa forma. Tomara que esse piá (adolescente internado) fique bom. Que tenha levado um susto e saia disso. Todo ser humano pode e deve melhorar.
Delegado orienta a não reagir
A investigação está a cargo da 18ª Delegacia de Polícia. O homem que fugiu ainda não foi identificado. O delegado Cesar Carrion, que responde interinamente pela 18ª DP, alerta que, em situações semelhantes, a orientação é para que a vítima não reaja:
— Deu sorte porque os bandidos estavam com armas de brinquedo. Se fossem armas de verdade, poderia ter morrido.
O adolescente envolvido na ação foi autuado em flagrante pela Divisão da Criança e do Adolescente da Polícia Civil. O Judiciário decretou a internação provisória. Por enquanto, ele está sob custódia policial em um hospital da Capital.