A insistência de uma mãe em busca do filho colocou o caso de Bruno Leal da Silva novamente na mira da Polícia Civil, 20 anos após o menino desaparecer na praia de Imara, no Litoral Norte. Ao saber que a mulher enviou material genético para um banco de DNA internacional na esperança de localizar o filho vivo, o delegado de Imbé, Antônio Carlos Ractz Junior, decidiu revisar o inquérito.
GaúchaZH mostrou a iniciativa de Devercina França Leal da Silva, 45 anos, em reportagem na segunda-feira (14). No começo do mês, ela coletou DNA para enviar a um laboratório nos Estados Unidos, que pode compará-lo com material genético de pessoas do mundo todo que buscam por familiares perdidos.
Ao saber da tentativa de Devercina, o delegado mandou retirar o inquérito de caixas empoeiradas e convidou os pais de Bruno — Devercina e o marido, Nazareno — a irem até a Delegacia de Imbé. O encontro ocorreu na tarde da segunda-feira.
— Não trabalhei no caso, mas desde que cheguei aqui, em 2016, ouço falar do assunto. Vou ler o inquérito para conhecer o que foi feito e verificar se há algo a fazer. Vou revisar tudo e posso fazer diligências — disse o delegado.
A primeira medida adotada foi para garantir que o DNA dos pais seja testado também no Brasil. O delegado encaminhou o casal para coleta de saliva pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), e o material será enviado ao Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília.
Este banco, que é alimentado pelos laboratórios oficiais de perícia de 18 Estados, do Distrito Federal e um da Polícia Federal, reúne hoje dados de 1,8 mil restos mortais de pessoas não-identificadas e também de 22 pessoas vivas com identidade desconhecida. É com esse material que o DNA dos pais de Bruno será comparado, inicialmente.
O delegado também vai questionar o IGP sobre perícias feitas à época da investigação do caso. Em agosto de 1999, sangue foi encontrado no porta-malas de um carro usado pelo principal suspeito do sumiço, o instituto confirmou tratar-se de sangue humano e enviou a amostra para ser testada em Brasília. O resultado acabou sendo inconclusivo — ou seja, não pode confirmar nem descartar a possibilidade de pertencer ao menino que desapareceu ao sair de casa de bicicleta. Ractz quer saber se esse material ainda está guardado.
Conforme o delegado, formalmente, não é possível falar em reabertura do caso, pois o inquérito foi arquivado pela Justiça. Só poderia ser reaberto se houvesse novas provas e desde que não tenha ocorrido prescrição.
— Quero analisar, ver se posso tomar depoimentos. Me emocionei com os pais e quero ter certeza de que todo o possível foi feito — diz Ractz.
Para Devercina, que nunca perdeu a esperança de encontrar o filho, a tarde na delegacia foi de emoção:
— Fazia anos que eu não ia na delegacia. Não adiantava, sempre me diziam que precisava um fato novo. Mas eu sempre rezei para que um dia Deus desse uma luz. Eu disse para o delegado: "Não quero nem saber se pessoas vão ser presas ou não. O que quero é achar o Bruno, quero dar paz para meu coração".
O Banco Nacional de Perfis Genéticos
O Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) é gerenciado pela Diretoria Técnico-Cientifica da Polícia Federal, em Brasília, e tem catalogados 3,6 mil perfis relacionados a pessoas desaparecidas no Brasil. Deste total, 1,7 mil são de indivíduos que procuram entes que sumiram, como é o caso de Devercina França Leal da Silva.
O BNPG é abastecido por informações de estados conveniados e também por perfis encaminhados de outros países por meio da Interpol. O banco também reúne DNA de criminosos condenados — já são cerca de 30 mil perfis cadastrados — e vestígios de locais de crimes.
Essas informações são usadas para apuração de delitos. A sistemática de abastecimento do banco nacional depende dos Estados.
Segundo o IGP do Rio Grande do Sul, cada laboratório de genética forense insere e gerencia os perfis genéticos, e reporta as coincidências de vestígios (para casos de investigação de crimes) e de desaparecidos no âmbito estadual. Uma vez por semana, os perfis genéticos estaduais são encaminhados ao banco nacional. Se forem encontradas coincidências entre perfis testados, o resultado é comunicado ao Estado interessado no caso.
O IGP diz que quanto mais familiares do mesmo desaparecido fornecerem DNA, mais ampla e completa fica a busca no banco nacional. Até maio, o IGP constava como a unidade pericial do país que mais havia obtido identificação de pessoas desaparecidas (já mortas) por meio de dados do banco nacional.
Para a busca de desaparecidos o Banco Nacional de Perfis Genéticos tem armazenados dados de:
- 1.730 familiares de pessoas desaparecidas;
- 1.855 restos mortais de pessoas não identificadas;
- 18 referências diretas de pessoas desaparecidas (DNA coletado da escova de dentes da pessoa que sumiu, por exemplo);
- 22 pessoas vivas de identidade desconhecida;
Mistério em oito momentos
- Em 10 de julho de 1999, Bruno Leal da Silva, nove anos, saiu de casa na praia de Imara de bicicleta para apagar luzes de casas que eram cuidadas por sua família. Depois, ia encontrar o pai em Atlântida Sul. O menino sumiu e a bicicleta foi achada à beira da estrada.
- Em 25 de julho de 1999, um suspeito foi preso por ter dado pistas falsas à polícia e ter omitido informações consideradas importantes para a investigação. Foi solto três dias depois.
- Em agosto de 1999, a Polícia Civil de Imbé apreendeu um Gol que havia sido usado pelo suspeito. Peritos encontraram mancha de sangue no porta-malas e marcas de tinta na lataria do carro. O teste de DNA a partir do sangue foi feito em Brasília e o resultado foi inconclusivo, ou seja, não pode afirmar nem descartar que o material fosse de Bruno.
- Outro exame, feito no Estado com apoio de peritos de São Paulo, indicou que a tinta na lataria do carro tinha as mesmas propriedades óticas da tinta do pedal da bicicleta de Bruno.
- Em setembro de 1999, o principal suspeito e outras cinco pessoas foram presas, enquanto a polícia fazia escavações pela praia em busca do corpo do menino. O inquérito foi concluído com indiciamento do principal suspeito por porte ilegal de arma, mas o Ministério Público denunciou o homem também por homicídio culposo e ocultação de cadáver.
- A Justiça acatou a denúncia por porte ilegal de arma, alegando que para enquadrar o suspeito em homicídio precisaria existir, ao menos, prova testemunhal, já que o corpo nunca foi achado.
- O MP recorreu, mas, em outubro de 2000, o Tribunal de Justiça entendeu não haver fundamento para receber a denúncia contra o suspeito.
- Em 2001, um crânio foi encontrado em Atlântida Sul, mas teste de DNA descartou a possibilidade de ser do menino.