Os papéis organizados dentro de uma pastinha cinza de plástico que Nelson Bernardo Janner, 75 anos, segurava entre as mãos na sede do Departamento Médico-Legal (DML) em Porto Alegre reuniam a esperança de encerrar um martírio. Há 48 dias, o idoso peregrina até a Capital em busca do direito de sepultar o filho. Nelson Fabiano do Amaral Janner, 39 anos, que residia com os pais em General Câmara, na Região Carbonífera, desapareceu em 26 de junho. Um cadáver foi encontrado quase dois meses depois. Desde então, pai e irmã tentavam comprovar que o homem encontrado morto era o familiar. Nesta quinta-feira (10), após identificação pela arcada dentária, o corpo foi liberado.
No fim da manhã, Nelson Bernardo e a filha, Itatiane Maríndia Janner, 43 anos, chegaram ao DML com os exames odontológicos de Nelson Fabiano em mãos. Era a quinta vez que o idoso rumava de casa até a Capital para tentar liberar o corpo do filho. O pai reconheceu as roupas e uma tatuagem que ele tinha no lado direito do tórax.
— Pensei que isso bastava, mas aí disseram que precisava do DNA — recorda o pai.
O idoso disponibilizou material para comparativo de DNA. O laudo confirmou que o homem morto tinha perfil genético compatível com o de um filho biológico de Nelson Bernardo. Ainda assim, como esse tipo de exame não exclui a possibilidade de que o cadáver pudesse ser de outro filho do mesmo pai, não foi feita a identificação. Uma das possibilidades era fazer por meio judicial. A família chegou a ingressar com pedido via Defensoria Pública, que entrou com uma ação pedindo a liberação.
Em 27 de setembro, GaúchaZH contou em reportagem a peregrinação da família. No início de outubro, em novo contato com a perícia, foi solicitado à família que encaminhasse os laudos odontológicos de Nelson Fabiano. Os exames possibilitaram a identificação pela arcada dentária. Como eram cópias, nesta quinta-feira (10) a família precisou trazer os documentos originais.
— Se tivessem nos dito desde o início que precisava, já tínhamos trazido tudo. Mas acho que finalmente hoje vai terminar isso — rogava o pai ao chegar ao DML na manhã desta quinta.
Pouco antes do meio-dia, foram recebidos por uma funcionária do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Com a declaração de óbito emitida pelo DML, no início da tarde a família seguiu para um cartório para registrar a certidão de óbito. Por volta das 15h30min, o corpo foi liberado para a família. O velório está previsto para iniciar 9h desta sexta-feira (11) em Esteio, na Região Metropolitana. O enterro ocorrerá às 16h no Cemitério 2 de Novembro.
— Temos familiares e ele tinha muitos amigos lá — diz a irmã.
Nelson Fabiano residia em General Câmara com o pai e a mãe Maria Evonir do Amaral Janner, 72 anos. No dia 26 de junho, ele saiu da propriedade para ir até uma loja consertar o celular. Nunca mais retornou para casa. Quase dois meses depois, um morador de General Câmara deparou com um cadáver às margens de um córrego. Junto ao corpo não havia documentos nem celular.
As vestes — calça jeans, camiseta, par de coturnos e jaqueta — foram reconhecidas pela família do desaparecido, assim como uma tatuagem que ele tinha na lateral do tórax. O caso é investigado, mas não há indicativos de que ele tenha sido vítima de crime. Segundo a Polícia Civil, o laudo não foi conclusivo sobre a causa da morte. O corpo estava em avançado estado de decomposição. Uma das suspeitas é que ele possa ter sofrido mal súbito, por conta da ingestão de antidepressivos e álcool.
O caso
26 de junho – Nelson Fabiano desaparece da casa dos pais em General Câmara. A família registra o desaparecimento na Polícia Civil.
27 de junho – Um corpo é encontrado carbonizado em Triunfo, às margens do Rio Jacuí.
Início de julho - Família vai ao Departamento Médico-Legal (DML) tentar fazer reconhecimento. Como corpo está carbonizado, não é possível identificá-lo. Cerca de 20 dias depois, descobriria-se que era de outra pessoa.
23 de agosto – Corpo com vestes e tatuagem idênticas às de Nelson Fabiano é encontrado nas proximidades do trajeto que ele fazia para a casa dos pais, em mato. Cadáver é encaminhado ao DML da Capital.
26 de agosto – Na Polícia Civil, família reconhece roupas e tatuagens por fotos. É informada de que a identificação poderia ser feita pelas digitais.
29 de agosto – Familiares vão até o DML e descobrem que necessitam de exame de DNA para verificar compatibilidade genética com o corpo encontrado. O pai de Nelson Fabiano fornece material para a perícia.
18 de setembro – Laudo do DNA comprova que o “perfil genético obtido do cadáver não identificado é compatível com o perfil de um filho biológico de Nelson Bernardo Janner”.
19 de setembro – Familiares vão até DML para fazer liberação. Segundo a família, são informados de que a documentação ainda necessitava da assinatura de um legista.
25 de setembro – Retornam ao DML e são informados de que não seria possível porque o laudo do exame de DNA não exclui a possibilidade de o corpo pertencer a outro filho de Nelson Bernardo Janner. Por isso, é necessária a identificação judicial. No mesmo dia, procuram o Foro Central e a Defensoria Pública.
2 de outubro - Perícia solicita que sejam encaminhados laudos odontológicos para comparativo com arcada dentária.
10 de outubro - Com a confirmação da identificação, família retorna ao DML com laudos odontológicos originais e consegue liberação do corpo.