Os relatos das vítimas de empresa da Capital se repetem. As pessoas que dizem ter sido lesadas pela construtora Bella Vista, investigada por estelionato e associação criminosa, contam que conheceram a empresa por meio de anúncios. A maioria, pelas redes sociais. Citam o preço e o pouco tempo para conclusão da obra como atrativos. E dizem que, depois do fechamento do contrato e do pagamento, quase sempre à vista, o sonho da casa própria tornou-se pesadelo.
A Polícia Civil apura 20 casos nos quais houve a compra da moradia pré-fabricada, que nunca foi entregue. O valor total do prejuízo é de cerca de R$ 250 mil. Segundo as vítimas, três pessoas estariam envolvidas no negócio: Altemir Cardoso Lopes, 56 anos, Ramon da Cunha Fernandes, 29 anos, e a esposa dele.
Em algumas situações, a construção chegou a ter início, mas não foi terminada pela empresa. É o caso da família do porteiro Cristovão Rodrigues Barbosa, 49 anos. A casa de madeira, pintada de azul e branco, no bairro Rubem Berta, na zona norte da Capital, foi comprada em dezembro de 2016. No contrato, o prazo era de 30 dias úteis para a conclusão da obra. Ramon, que se apresentava como dono da Bella Vista, prometeu para a mulher do porteiro, Marli Lorenz Gross, 47 anos, que a família passaria o Natal de 2016 na residência nova.
Os moradores da Capital seriam as primeiras vítimas da construtora Bella Vista, conforme a Polícia Civil. Foram pagos R$ 9,5 mil de entrada e uma parcela do mesmo valor quando o telhado foi colocado. Assim que os responsáveis pela empresa receberam a quantia prevista no contrato, a obra parou: sem pisos, aberturas, sem banheiro nem sequer repartições internas.
— Fizeram 50% da casa e não apareceram mais – diz Barbosa.
Quando procurava por Ramon, o casal ouvia as mesmas justificativas que as outras vítimas: de contratempos com o caminhão a desentendimentos com carpinteiros. De tanto pressionar, inclusive com publicações nas redes sociais, Altemir — que até então não havia negociado com a família — foi ao local.
— Ele (Altemir) disse que iria nos ajudar porque entendia tudo de obra — conta Marli.
Mas nenhuma outra etapa da construção foi feita pela empresa. Depois, os responsáveis pela construtora pararam de atender o casal. Cansada de morar de favor na casa do irmão de Marli enquanto aguardavam pela conclusão da obra, a família resolveu terminar por conta própria. E a residência, que custaria, conforme contrato, R$ 19 mil, acabou saindo por mais de R$ 30 mil.
Na moradia, vivem o casal e três filhos, de 23 e 27 anos, e a caçula, Maria Carolina, 11. Marli faz questão de salientar que a casa ainda não está pronta:
— Estamos fazendo aos poucos.
Ainda em 2017, procuraram o Judiciário, a Polícia Civil e o Procon. Os donos da empresa ainda não foram responsabilizados.
— Espero que paguem por tudo que fizeram tantas famílias passar — desabafa Marli.
Residência desmanchada
Desde agosto de 2018, Ivonete dos Santos, 36 anos, mora de aluguel em Caxias do Sul. Como ela e o marido estão desempregados, o gasto de R$ 600 com a moradia pesa no orçamento do casal, que possui dois filhos, de cinco e oito anos. A casa própria onde a família morava foi destruída pela Bella Vista depois da compra de moradia pré-fabricada. Passado um ano, a empresa apenas desmanchou a residência antiga. A nova, só existe no contrato.
O primeiro contato foi feito pelas redes sociais. Os responsáveis pela construtora — Altemir, Ramon da Cunha Fernandes, e a esposa dele — foram até Caxias do Sul para fechar negócio. A promessa, conta Ivonete, era de que a construção sairia mais barata se o pagamento fosse feito à vista. Como tinha recebido uma indenização, aceitou a proposta sem pestanejar. Assim, a moradia custaria R$ 19 mil. Estava incluso no valor o gasto com derrubada da residência onde a família morava.
O pagamento foi feito no mesmo dia do contrato. Ivonete foi até um banco. Ramon a orientou a fazer o depósito em conta, cujo titular era a esposa dele.
Ivonete diz que quando procurava Ramon, ele se isentava da participação no negócio. Dizia que quem tinha feito a venda era Altemir, portanto, ele quem deveria ser procurado.
— Iam nos enrolando. Em julho, pararam de atender.
Empréstimo
Assim como Cristovão, a casa do morador de Cachoeirinha João Carlos Ribeiro chegou a ser iniciada pela construtora Bella Vista. Aposentado, ele fechou contrato em agosto de 2018 e pretendia aproveitar o verão em Magistério, no Litoral Norte. Mas, da residência de dois quartos, banheiro, sala e cozinha integrados, só viu o alicerce.
Para fazer o pagamento de R$ 14,5 mil pela moradia, João fez empréstimo. As parcelas de R$ 420 serão pagas pelos próximos seis anos. Ele conta que pagou R$ 1,5 mil para Altemir. O restante foi depositado. Assim como aconteceu com Ivonete, a conta passada pelos investigados tinha a esposa de Ramon como titular.
— Cada vez que eu ligava, me enrolavam. Depois de tanto pressionar, eles começaram a construção seis meses depois. E agora está lá: apenas o alicerce e o banheiro construídos.
Quatro empresas
Conforme a Polícia Civil, uma diarista procurou a 15ª DP, alegando que pagou R$ 13,5 mil em 2016 por casa para uma empresa em Alvorada. Segundo a mulher, foi Ramon quem fez a venda. Contou que a residência chegou a ser entregue, mas com defeitos. Ingressou na Justiça, que deu prazo de 60 dias para a moradia ser consertada, o que não aconteceu. Segundo apuração, Ramon e a esposa estariam envolvidos em quatro empresas.
— Estamos investigando todas — garante o delegado Cesar Carrion.
O CNPJ que possui o nome fantasia Bella Vista possui outra pessoa como proprietária, segundo registro na Receita Federal. O homem chegou a ser ouvido e disse desconhecer a existência da empresa em seu nome. Nos contratos aos quais GaúchaZH teve acesso, consta um outro CNPJ, cujo dono seria Altemir.
Contraponto
Em entrevista, Altemir disse que nunca teve a intenção de lesar os compradores, mas confessou que não cumpriu contratos por conta da má administração da empresa. Em depoimento, Ramon contou que casas não foram entregues devido a contratempos.