O ex-policial militar Alexandre Camargo Abe confessou, em julgamento na tarde desta quinta-feira (26), ter assassinado o boxeador Tairone Silva, em março de 2011, em Osório, no Litoral Norte. Ao responder os questionamentos do Ministério Público (MP), alegou que agiu em legítima defesa.
— Fiquei com medo. Fiz o que eu fiz para não morrer —declarou o ex-PM, réu por homicídio qualificado com motivo torpe e recurso que impossibilitou defesa da vítima.
O réu, que foi expulso da Brigada Militar após o crime, ainda afirmou que houve falhas na investigação e que não foi apreendida a camiseta que a vítima usava — uma regata. A vestimenta provaria, na versão dele, que o tiro foi disparado de uma curta distância, reforçando a tese da briga entre os dois. A promotoria apresentou fotos que constam no processo contrapondo as alegações do réu.
Ainda houve reconstrução improvisada do crime. O promotor Eugênio Paes Amorim ofereceu-se para simular ser Tairone e pedir para que o ele mostrasse como tudo aconteceu.
— Fui tirar satisfação e começou a briga. Quando ele viu a arma, ficou transtornado. Me deu um chute. A minha reação foi efetuar o disparo em parte da perna. Escolhi onde ia disparar, pra ele parar, mas não parou — contou.
Em um momento de confronto de versões, a promotoria perguntou o motivo de Abe não ter registrado na ocorrência o detalhamento das agressões que ele alega ter sofrido por Tairone. O réu informou que estava sob forte adrenalina e só percebeu um hematoma ao tomar banho. Disse ainda que houve falha no registro feito pela Polícia Civil, sem as descrições necessárias. O Ministério Público rebateu, dizendo que ele mesmo assinou o documento.
Antes de o réu falar, foram ouvidas as seis testemunhas — três de defesa e três de acusação. Entre elas, a mãe da vítima. Claudia da Silveira da Silva pediu justiça pelo crime contra o seu filho, lembrou traços da personalidade dele e falou sobre sua relação com amigos e irmãos. Comentou que guarda até hoje o cinturão de Tairone e suas medalhas — o rapaz era considerado uma promessa do boxe gaúcho.
Também foram ouvidos PMs que trabalharam com Abe. Eles alegaram que a Polícia Civil não concordaria com a forma de atuação de um grupo de inteligência da Brigada Militar de Osório.
A sala em que ocorre a audiência é pequena, mas está lotada de familiares do boxeador. Em frente ao fórum, há faixas pedindo justiça, presas às grades, e fotos do boxeador. Uma delas diz que o "sonho de um campeão não pode morrer".
É a segunda vez que ocorre sessão de julgamento do ex-PM — que passou dois anos preso. Na primeira, em Osório, em abril deste ano, o conselho de sentença foi dissolvido após a defesa alegar que não havia segurança para o julgamento prosseguir. Moradores e familiares da vítima cercavam o fórum naquele dia. Com isso, a defesa conseguiu o desaforamento — transferência de comarca — para a Capital. O ex-PM foi preso preventivamente na própria sessão, sob a alegação do judiciário de que era necessário manter a ordem pública.
Os advogados do ex-PM são Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares — os mesmos que atuaram na defesa do pai do menino Bernardo, Leandro Boldrini.
A previsão é que a sentença seja conhecida na madrugada desta sexta-feira (27).
O crime
Segundo o Ministério Público, o boxeador passava em frente à residência do réu, no dia 11 de março de 2011, quando foi chamado por ele, mas seguiu caminhando. O MP declara que o acusado "passou a acompanhá-lo, na mesma direção pela calçada, e sacou da cintura uma pistola Taurus". Depois, segundo a denúncia, atirou e atingiu o rapaz duas vezes.
Para o MP, o crime ocorreu por causa "da intolerância do réu com o grupo de jovens que se reunia com a vítima nas proximidades de sua casa". Segundo testemunhas, Abe reclamou disso várias vezes. Para a promotoria, o assassinato também está ligado ao "sentimento de inveja e frustração de não impor o bastante sua condição de policial à vítima, que tinha projeção nacional dentro do esporte que praticava".
A promotoria também afirma que "tais sentimentos teriam aflorado com o fato de a vítima não ter atendido seu chamado e, em represália, sentindo-se ultrajado e desprezado, efetuou os disparos fatais, impedindo qualquer espécie de reação". A investigação apurou que o policial já havia proferido ameaças a Tairone.