O ex-policial militar Alexandre Camargo Abe, 38 anos, acusado de matar o boxeador Tairone da Silva, 17 anos, em março de 2011, foi preso preventivamente dentro do Fórum de Osório, minutos após a defesa anunciar que deixaria o Tribunal do Júri por falta de segurança.
A defesa do ex-PM afirma que foi, mais de uma vez, intimidada e ameaçada, e não descarta o "pedido de desaforamento" — ou seja, solicitar que o julgamento seja transferido para outra comarca (leia nota na íntegra abaixo).
O caso ocorreu por volta das 14h desta terça-feira (2). O julgamento do ex-PM, que responde por homicídio duplamente qualificado, começou às 09h30min. Do lado de fora, dezenas de moradores e familiares da vítima acompanhavam a sessão, com cartazes pedindo justiça.
Pouco depois das 12h, na saída para o almoço, a defesa teria sido interpelada por uma pessoa na rua e teria recebido ameaças. Os advogados, na ocasião, estavam sendo escoltados pela equipe do Núcleo de Inteligência do Judiciário.
No retorno do intervalo, os advogados Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé informaram que não havia segurança para que o júri continuasse e comunicaram que iriam deixar o local.
A juíza Anna Alice da Rosa Schuh, que presidia a sessão, discordou e alegou que não teria nenhum problema na continuação da sessão, já que havia forte aparato de segurança. Ela inclusive questionou a equipe da segurança judiciária, que ratificou as condições para a continuidade dos trabalhos, negando qualquer ameaça à integridade física do réu e seus procuradores.
A defesa, porém, manteve a posição de abandonar o plenário. Assim, foi dissolvido o Conselho de Sentença.
Em seguida, a palavra foi passada ao Ministério Público. O promotor de Justiça Criminal de Osório, Fernando Andrade Alves, lamentou a posição dos advogados e pediu a prisão preventiva do ex-PM. A juíza aceitou o pedido do MP e ordenou que Alexandre Abe fosse preso. Segundo a juíza, a detenção era necessária para manutenção da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.
— O crime ocorreu em 2011. O réu só estava solto por excesso de prazo. No entanto, agora a demora no processo não é mais atribuída ao judiciário, e sim ao fato da defesa abandonar o júri. O que houve foi um desrespeito à comunidade que clama por justiça — disse o promotor.
O Tribunal de Justiça (TJ) informou que o julgamento só está ocorrendo oito anos depois do crime devido a recursos, inclusive com pedido para transferência para outra comarca, e porque houve cartas precatórias para ouvir testemunhas que são de outras cidades.
A juíza também determinou que os advogados paguem 50 salários mínimos por abandonar o tribunal do juri, além de comunicar o ocorrido à Ordem dos Advogados do Brasil. O réu foi encaminhado ao sistema prisional. Agora, a juíza deverá marcar uma nova data para o julgamento.
O que diz a defesa do réu
O advogado Ezequiel Vetoretti divulgou nota, no início da noite desta terça-feira (2), no qual afirma que a defesa foi intimidada e ameaçada "mais de uma vez" por pessoas que acompanhavam os trabalhos. A defesa de Alexandre Abe também afirma que não descarta pedir a transferência do julgamento para outra comarca. Leia a nota na íntegra:
Durante a sessão de julgamento, fomos, em mais de uma oportunidade, ameaçados e intimidados por pessoas que acompanhavam os trabalhos.
E, ameaçados, não tínhamos condições de garantir a plenitude de defesa do acusado.
Respeitamos a decisão que decretou a prisão preventiva e a combateremos através das vias recursais, como deve ser.
Analisaremos os autos e degravações e com serenidade tomaremos a decisão. Não descartamos o pedido de desaforamento.
Por fim, salientamos que em mais de 12 anos de profissão, jamais passamos por situação similar. A difícil decisão de deixar o plenário foi tomada para garantir o pleno exercício de defesa, que com a máxima licença, não pode ser exercido sem liberdade e com intimidações. O caminho que trilhamos na Advocacia - com trabalho ético, respeitoso e pautado na lealdade e lisura -testemunha a nosso favor.
Relembre o caso
Com apenas 17 anos, o campeão brasileiro e sul-americano de boxe Tairone Silva foi assassinado no dia 11 de março de 2011. Na época, a investigação apurou que Alexandre Camargo Abe tinha uma rixa com jovens que frequentavam uma casa abandonada, perto da sua, em Osório. O policial afirma que era provocado pelo boxeador, depois que advertiu o grupo de amigos.
Segundo a denúncia do Ministério Público, oferecida pelo Promotor de Justiça Márcio Roberto Silva de Carvalho, que foi designado para atuação conjunta no júri, "o crime teria sido motivado por intolerância do denunciado com o grupo de jovens, bem como em face do sentimento de inveja e frustração de não impor a sua condição de Policial à vítima."
A promotoria também afirma que "tais sentimentos teriam aflorado com o fato de a vítima não ter atendido seu chamado e, em represália, sentindo-se ultrajado e desprezado, efetuou os disparos fatais, impedindo qualquer espécie de reação". A investigação apurou que o policial já havia proferido ameaças à vítima.
Procurada em dezembro do ano passado, a defesa do réu enviou uma nota na qual afirmou que só se manifestaria "nos autos do processo, preservando a ética e o respeito ao Juízo". Abe ficou cerca de dois anos preso e depois foi expulso da Brigada Militar. Durante o período de liberdade, Abe se formou no curso de direito e obteve inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.