Principal aeroporto do Rio Grande do Sul, o Salgado Filho, em Porto Alegre, também é usado por traficantes para enviar e trazer drogas para outros países. Um levantamento obtido por GaúchaZH mostra que ações da Polícia Federal (PF) impossibilitaram 33 investidas de criminosos nos últimos sete anos. Com as apreensões, 238 quilos de entorpecentes deixaram de chegar ao seu destino final.
Das 33 vezes em que os policiais encontraram drogas no aeroporto — a maioria em fundos falsos de bagagens despachadas — 23 sairiam de Porto Alegre e teriam como destino a Europa. Em nove vezes, os agentes localizaram os entorpecentes quando chegavam em Porto Alegre. Ainda no período analisado, somente em uma ocasião uma mulher tentou levar entorpecentes em voo doméstico — do RS para Manaus, no Amazonas.
Com os flagrantes, a PF prendeu 36 pessoas — 21 homens e 15 mulheres. Para a delegada Aletea Vega Marona Kunde, chefe da Delegacia de Repressão a Drogas no RS, todos eram "mulas": pessoas contratadas por narcotraficantes para fazer as viagens. O perfil varia.
— Depende da organização criminosa. No ano passado, a gente tinha um perfil de mulas que era de meninas bonitas, meninas que trabalhavam com promoção de eventos. Houve um tempo em que eram homens jovens, universitários. Neste ano, aqui e em outro Estado, o perfil é de pessoas mais velhas. Em geral, o que mais pesa para nós é o comportamento — diz a policial.
A maior parte dos presos era brasileira: 23. Outros 13 têm nacionalidades variadas. Houve presos no aeroporto Salgado Filho da Espanha, Portugal, Paraguai, Grécia, Guiné-Bissau, Uruguai, Filipinas, Ucrânia e até da Letônia e Lituânia, no leste europeu. Com os europeus, além da droga, vieram histórias curiosas.
— Por sorte, temos um policial que fala russo. Esse colega conseguiu conversar com os presos da Lituânia e Letônia. Senão, não teríamos sequer como entender o preso e fazer a oitiva. Precisaríamos de um tradutor — lembra Aletea.
Cocaína é a principal droga
A principal droga que os criminosos tentaram enviar pelo aeroporto de Porto Alegre é a cocaína. Foram 185 quilos do entorpecente impedidos de chegar à Europa.
Em 10 situações, a droga iria para Lisboa, em Portugal, único voo direto entre a Capital e a Europa. Houve quatro vezes em que o passageiro que levava o entorpecente ia para a Espanha e duas para a França.
Enquanto o entorpecente enviado é a cocaína — que tem alto valor de mercado para os traficantes —, a "moeda de troca" é a droga sintética. A principal delas é o ecstasy, seja já preparado em pílulas ou sua variação, o MD.
Ainda houve vezes em que os agentes encontraram anfetamina pura, que seria misturada dando origem a comprimidos. Em uma só ação, em agosto de 2016, foram 75 mil unidades de ecstasy impossibilitados de chegar a usuários. Duas mulheres foram presas.
Também houve flagrantes de haxixe que desembarcaria no Rio Grande do Sul. A droga é feita com a resina de cannabis sativa e tem efeito ao menos três vezes mais forte do que a maconha, segundo a polícia. Em dois momentos, o entorpecente partiu de Barcelona, em 2015 e 2017, e uma outra de Lisboa. Nas três ações, 37 quilos de haxixe foram apreendidos.
Casos curiosos
Outra história que foge do comum foi protagonizada por uma brasileira, que tentava enviar maconha de Porto Alegre para Manaus. Conforme a PF, a jovem de 21 anos chegou atrasada no voo e não teve como despachar sua bagagem. Com isso, levou na mala de mão a droga e foi parada assim que passou no raio X. Ela transportava 5,3 quilos do entorpecente.
Os anos recordistas em apreensões no aeroporto foram 2012 e 2017, com seis. Em 2014, só um passageiro foi capturado com drogas no aeroporto. O ano de 2019 pode ser novo recordista: já são cinco flagrantes no Salgado Filho. O mais recente foi na segunda-feira (26). Uma brasileira de 28 anos levou 7,5 quilos de cocaína para Portugal. Ao chegar em Lisboa, teve o ingresso no país rejeitado e foi mandada de volta. Somente ao chegar de volta Porto Alegre, a Receita Federal encontrou a droga no fundo falso da mala.
Fiscalização é rigorosa, garante PF
A delegada federal responsável por cuidar do tráfico internacional de drogas garante que "100% das malas despachadas" passam pelo raio X. Segundo ela, com o término da franquia que tornava grátis a bagagem despachada, o trabalho dos policiais ficou mais fácil. A demanda é menor e a fiscalização ficou mais ampla.
A delegada informa que a equipe que trabalha no aeroporto tem número adequado de agentes, mas que são "guerreiros" pela quantidade de trabalho que desempenham — o número não é informado por questões de segurança. Junto aos policiais, trabalham dois cachorros, responsáveis por farejar bagagens e confirmar a suspeita inicialmente trazida no raio X. Os dois têm 7 anos e se chamam Bo, uma pastor belga malinois, e Joke, um pastor alemão.
O Núcleo de Polícia Aeroportuária, responsável pela fiscalização, não revela o que define a análise de quem é potencial suspeito ou não. A delegada Aletea afirma que é uma "análise de comportamento", mas prefere não detalhar para não expor a estratégia.
A maior preocupação da unidade é a remessa por portos. Segundo a chefe da Delegacia de Repressão a Drogas no RS, cada mula em aviões carrega consigo de 3 a 7 quilos, porções consideradas pequenas. Já em contêineres, cada remessa é de mais de 500 quilos.
Reforço da Receita Federal nas ações
A PF ganhou reforço na fiscalização em 2015: naquele ano, a Receita Federal também passou a procurar drogas nas bagagens. Conforme o auditor fiscal Erno Cunha, chefe do desembarque internacional no Salgado Filho, dois cães foram empregados no trabalho.
— Desde 2015, um novo sistema de gerenciamento de risco e reconhecimento facial identifica potenciais alvos de droga antes de entrar no país. Temos esse controle ainda antes de o avião descer. Por isso, nos últimos anos, está crescendo consideravelmente nossas apreensões de drogas — informou Cunha.
Além das drogas, a Receita segue com sua tradicional fiscalização para impedir a entrada de mercadorias ilegais ou para que passageiros não respeitem a cota de U$ 500 por pessoa.
Além dos fundos falsos em bagagens, a polícia já descobriu planos mirabolantes de traficantes para não serem flagrados. Em um deles, em 2013, um morador de Novo Hamburgo foi flagrado tentando mandar para Barcelona 14,7 quilos de cocaína na vela de uma prancha de windsurfe.
Apesar dos casos em que houve grandes abordagens, para a PF, a situação no aeroporto de Porto Alegre é controlada. No terminal de Guarulhos, o maior do Brasil, a PF apreendeu 1,8 tonelada de drogas somente em 2018 e prendeu 290 pessoas.