As 20 classes da sala número 10, do Instituto de Estadual de Educação Assis Chateaubriand, em Charqueadas, ficaram vazias nesta quinta-feira (22). Sobre as mesas, cadernos abertos, e, nos braços das cadeiras, uma dezena de mochilas deixadas para trás. Por volta das 10h, um celular tocou.
Naquele momento, os alunos da turma 42 deveriam estar na sala de aula. Mas, assim como eles, todos os 700 estudantes da escola foram dispensados depois que um adolescente de 17 anos invadiu a classe onde estava a turma 71, no início da tarde de quarta-feira (21), explodiu um coquetel molotov e golpeou três estudantes com uma machadinha.
No ambiente escolar, ficaram os sinais da violência: cacos de vidro da garrafa marrom usada como bomba caseira espalhados pela sala e manchas brancas do gás acionado para conter as chamas marcadas na parede sob o quadro-negro. O cheiro era de queimado.
O Assis, como é chamado pela comunidade escolar, teve a segurança reforçada no dia seguinte ao ataque. Dois policiais militares se posicionaram durante a manhã e a tarde em frente ao portão de acesso, diante de uma viatura.
Reunião discute segurança
Dentro da escola, as salas vazias foram ocupadas somente por reuniões. Pela manhã, professores do instituto, diretores de escolas da cidade e representantes das secretarias estadual e municipal de Educação, além de integrantes da prefeitura e da Brigada Militar, discutiram maneiras de evitar ataques como o de quarta-feira, que levou pânico às salas de aula.
— Charqueadas é uma das cidades mais tranquilas do Rio Grande do Sul, mas o clima está bastante agitado. Foi uma situação completamente atípica, que deixou as pessoas bastante nervosas e apreensivas — disse o comandante do 28º Batalhão de Polícia Militar, Maurício Campos Padilha.
No encontro, ficou definido que o Assis irá receber um projeto piloto no Estado. Um monitor será destacado à instituição para acompanhar diariamente a rotina escolar e ficar de olho em qualquer atitude suspeita. Segundo a diretora do instituto, Ana Cristina Flores de Paula, novas regras também serão estabelecidas, como a proibição do uso de capuz pelos alunos:
— Vamos ficar mais atentos aos sinais. Esse menino, de repente, passou despercebido.
Apreendido na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), na Capital, o adolescente autor do ataque estudou no colégio entre 2013 e 2014. Pelas suas fichas escolares, Ana Cristina disse que ele era silencioso e tinha notas ruins, mas “nada que chamasse tanto a atenção”. O agressor não chegou a completar o Ensino Fundamental – atualmente, estudava em uma instituição do EJA na cidade.
À tarde, a diretora recebeu os estudantes da turma 71, acompanhados dos pais, para um encontro de “acolhimento”. Preparou um bolo de chocolate e, com o auxílio de psicólogos, buscou prepará-los para o retorno à rotina escola, na segunda-feira (26).
— Vamos fazer desse limão uma limonada, transformar esse caso numa grande ação com os alunos para encontrarmos a melhor maneira de voltar ao cotidiano – adiantou o professor de Educação Física Juliano Mantovani, promovido a herói nacional depois de ter desarmado o agressor.
A porta fechadas, o encontro serviu para acalmar pais e estudantes. A mãe de uma das alunas da turma atacada contou que a filha, de 12 anos, tem feito uma pergunta que nem ela sabe responder: por que o adolescente queria matá-los. Durante o ataque, o agressor tentou atingir a estudante com a machadinha, mas um colega conseguiu protegê-la, e a menina não se feriu.
— A gente fez uma rodinha para conversar. Foi bem legal, saí mais tranquila. Essas coisas acontecem na TV, e a gente acha que é só lá… Foi muito traumatizante – contou a aluna, ao sair do encontro.
Mas nem todos os estudantes conseguiram ir à reunião. A avó de um menino de 13 anos ferido contou que ainda ele sente dor nos machucados. Machucado no ombro, onde levou quatro pontos, e na barriga, o estudante mal conseguiu dormir à noite.
— Ele está muito assustado. Deixamos ele dormir de tarde, para poupar ele um pouco – disse a avó.
Boatos, pânico, surpresa: o ataque dominou as conversas na cidade
Na pacata cidade de 35 mil habitantes, o sentimento ainda era de apreensão. Mãe de uma aluna de 17 anos do instituto, uma psicóloga foi ao Instituto de Estadual de Educação Assis Chateaubriand nesta quinta-feira (22) para oferecer apoio. No dia do ataque, ela chegou ao colégio assim que ouviu as primeiras sirenes da BM, quando voltava do almoço.
— Na época de Suzano (quando oito pessoas foram mortas e duas feridas por dois ex-alunos, em São Paulo), os professores falaram sobre o caso em sala de aula. Mas se comentava: “imagina que isso aconteceria aqui”. Infelizmente, aconteceu — disse a psicóloga, consternada.
Proprietária de um mercadinho a 450 metros da escola, Edi de Lima contou que o ataque dominou a conversa com os clientes.
— A gente fica todo o tempo aqui e nunca acontece nada. De repente, isso. Foi assustador —afirmou Edi.
Na quarta-feira, assim que as primeiras notícias sobre o ocorrido começaram a chegar nos grupos de WhatsApp, uma menina de nove anos entrou no mercado e mencionou o caso. Ao ver um cliente entrar pela porta, ela se apressou para se esconder atrás do caixa.
— Ela correu apavorada, porque, até aquele momento, ainda não tinham pego ele — recordou João Luís Lima, funcionário do comércio.
No dia seguinte ao ataque que por pouco não se tornou um massacre, os charqueadenses também tiveram de lidar com a boataria. Uma mulher comentou ter ouvido que o agressor havia rondado outra escola na véspera do ocorrido, terça-feira (20); outra disse ter escutado que ele agira com comparsas que iriam resgatá-lo em um carro, com o plano de atacar outras escolas.
Responsável pela investigação, o delegado Marcos Schalmes disse que detalhes da investida ainda precisam de esclarecimento. Ao confessar o ataque, o adolescente disse que foi motivado por uma desavença. Mencionou um apelido, mas não soube informar o nome do suposto desafeto.
— Ao mesmo tempo, acabou atacando uma sala de aula onde estavam alunos menores, entre 12 e 14 anos — afirmou Schalmes.
Em depoimento à promotora de Justiça Daniela Fistarol, o adolescente não deu sinais de arrependimento. Ao lado da comunidade escolar, ela quer montar o perfil do agressor para identificar as suas motivações e evitar casos semelhantes:
— Ele não demonstrava ser um menino retraído, nem tinha um olhar agressivo. Ele armou um plano que não tinha condições de cumprir. Parecia estar envergonhado.