As dezenas de fardas de diferentes corporações e batalhões que tomavam o Cemitério Católico de Rio Grande representavam o quanto Cristina Gonçalves Lucas, 38 anos, era querida pelos seus colegas de profissão. Em frente ao local, na tarde desta sexta-feira (2), se enfileiravam 21 viaturas enlutadas da Brigada Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal. O completo silêncio com que Cristina foi velada e sepultada — salvo um discreto Pai Nosso entoado às 17h24min — também era símbolo da perplexidade dos policiais com o episódio que custou a sua vida.
A morte de Cristina — baleada no carro em uma tentativa de assalto em Pelotas, na companhia do marido, dos dois filhos, de nove e um ano, e da sogra — encerrou uma vida dedicada à família e a carreira como policial. Ela e o marido, Marcio Lucas Severo, compartilhavam os mesmos sonhos e objetivos profissionais. Moradores do bairro Frederico Ernesto Buchholz, em Rio Grande, no Sul do Estado, eles eram namorados desde a adolescência e ingressaram ao mesmo tempo Brigada Militar, em 2003.
Começaram no 6º Batalhão da Polícia Militar de Rio Grande, onde Lucas trabalha até hoje. Dos diversos batalhões e delegacias, cujos soldados e agentes participaram do velório, o 6º BPM é o que tinha o maior e um dos mais tristes contingentes na cerimônia desta sexta-feira.
Segundo colegas, o jeito discreto e tranquilo de Cristina de resolver problemas, além do diploma em Ciências Contábeis, fizeram com que ela naturalmente se destacasse em tarefas de inteligência.
— Acho que nunca vi ela levantar a voz para alguém e também nunca vi ela deixar de resolver um problema — declara o amigo e Taigor Lobato Vaz, colega de Cristina na P2, setor de inteligência da Brigada Militar, hoje inspetor na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Rio Grande.
Em 2016, já mãe de um garoto de sete anos, Cristina trocou a farda da BM por uma vaga na Polícia Civil. Foi primeiramente lotada na delegacia de Amaral Ferrador, onde atuou sozinha na delegacia local por cerca de um ano até engravidar. Então, foi transferida para São José do Norte.
— Eram dois lugares difíceis de trabalhar. Em Amaral Ferrador, além de ela trabalhar por conta, o acesso é por chão batido. Em São José do Norte, por lancha. E ela nunca faltou ao trabalho. Era uma pessoa muito conhecida pela dedicação — elogia a delegada Lígia Furlanetto, da 7ª Delegacia Regional de Polícia do Interior.
Em São José do Norte, Cristina e os colegas de delegacia foram condecorados pela Câmara de Vereadores local pelos bons resultados em uma cidade que vinha se destacando negativamente pelo alto índice de criminalidade, sobretudo de homicídios. Em 2017, foram 28. Em 2018, houve redução para 22 e, em 2019, para apenas três.
— A Cris era fantástica. Uma mãe zelosa e apaixonada pelos filhos e pela família. Adorada por todos. Era uma colega parceira, sempre junto e com a palavra certa. É uma perda irreparável. Só tenho boas recordações e boas histórias dela — declara Pâmela Dutra, colega de Cristina em São José do Norte e hoje policial na Praia do Cassino.
Segundo Pâmela, Cristina estava vivendo um momento especialmente feliz. Depois do giro pelas delegacias da região desde que migrou para a Polícia Civil, Cris enfim fora transferida para Rio Grande e ficaria mais próxima da família e do bebê de um ano, que ela ainda amamentava. Antes, porém, havia planejado a viagem de férias a Caldas Novas, em Goiás, em companhia do marido, dos filhos e da sogra. A família estava a caminho do aeroporto de Porto Alegre quando foi vítima do assalto e do disparo.
— Claro que nos impressiona. Nos aproxima da violência que tanto combatemos. É difícil permanecerem presos. Vão para o semiaberto, seguem no crime. Nós, policiais, estamos com salários atrasados há 44 meses e sobrecarga — desabafa uma colega da policial.