Por Alberto Winogron Kopittke
Diretor Executivo do Instituto Cidade Segura
Um seminário realizado em junho em Nova York reuniu policiais, pesquisadores e profissionais de diversas áreas, envolvidos em algumas das experiências mais exitosas de redução de violência nos EUA e na América Latina nas últimas décadas. Em sua conferência de abertura, o professor David Kennedy, do John Jay College, que já coordenou projetos de prevenção em mais de 70 cidades, destacou:
– Hoje, podemos dizer que temos uma ciência da prevenção à violência e sabemos o que funciona.
Kennedy lembrou quando, ainda nos anos 1980, chefes de polícia, prefeitos e governadores falavam abertamente que não havia nada o que fazer para evitar homicídios entre membros de grupos organizados, que naquela época aterrorizavam as cidades americanas:
– Estávamos perdidos e tentávamos controlar a violência com mais violência ou encarcerando o maior número possível de pessoas. Algo do que nos envergonhamos hoje.
Essa Ciência da Prevenção não foi resultado das ideias de um salvador da pátria nem produzida do dia para noite. Foi construída após centenas de experimentos de alta qualidade científica feitos ao longo das últimas cinco décadas que avaliaram diversas metodologias de prevenção social, estratégias de policiamento, programas de justiça criminal e de ressocialização e intervenções urbanísticas. Ao longo dos anos 1970 e 1980, esses experimentos primeiramente descobriram que grande parte do que até então se achava que funcionava para reduzir a violência não passava de mitos que não provocavam impacto e até aumentavam os índices de violência e o consumo de drogas, além de desperdiçarem recursos públicos.
Com persistência, novas metodologias deram resultado e criaram um cardápio de intervenções que hoje formam o que é conhecido como Segurança Pública Baseada em Evidências, a qual tem sido aplicada em um número cada vez maior de países, inclusive na América Latina, como, por exemplo, na Colômbia e no Chile, e que, com o apoio de organizações nacionais e internacionais como o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), começam a chegar ao Brasil.
Uma das grandes conquistas desse processo foi reduzir a influência de populismos ideológicos sobre o tema e fazer com que as decisões sobre políticas de segurança pública passassem a ser baseadas em evidências científicas. Mesmo que em conversas pessoais muitos policiais expressassem seu apoio ao presidente Donald Trump, durante o seminário os mesmos agentes apresentaram projetos ousados e inovadores de reformulação das suas organizações, voltados a controlar o uso inadequado da força, construir vínculos com as comunidades de periferia e reduzir o racismo e o número de jovens presos em suas cidades, simplesmente porque as evidências científicas demonstram que esses aspectos são fundamentais para que se tenha uma redução efetiva e duradoura dos índices de violência.
O famoso ex-chefe de Polícia de Nova York, William Bratton, destacou que a segurança pública hoje está cada vez mais próxima da medicina, atuando sobre fatores de risco para prevenir que a violência ocorra, por meio de diagnósticos detalhados do problema e realizando, quando necessário, intervenções cada vez menos invasivas e cada vez mais multidisciplinares e coordenadas.
Eric Cumberbatch, jovem professor negro cheio de tatuagens e dreads no cabelo, atual secretário de Prevenção à Violência Armada de Nova York, contou que hoje a cidade trabalha com mais de 60 organizações da sociedade civil e 200 “desligadores da violência” altamente treinados para conter conflitos armados entre grupos.
Na visita que fizemos à Polícia de Nova York, foi apresentado o recém-inaugurado Real Time Crime Center (Centro de Monitoramento do Crime em Tempo Real), onde o policiamento ostensivo, a investigação e a perícia criminal atuam conjuntamente de forma imediata sempre que o sistema que detecta tiros é acionado, mesmo naqueles casos em que não haja vítimas. Os envolvidos em tiroteios e os principais líderes dos grupos criminosos recebem visitas de policiais ou dos “desligadores” para evitar retaliações, alertar sobre as sanções que podem receber ou oferecer um plano de alternativa para a saída do crime, numa metodologia conhecida como dissuasão focada. Nos hospitais, médicos, enfermeiros e psicólogos atuam nas chamadas “horas de ouro”, quando uma vítima de disparos e seus amigos sentem de perto o medo da morte e seus familiares estão em raros momentos de harmonia, para dar início a um plano voltado para mudar a trajetória de vida daquelas pessoas. Nos presídios, terapias específicas são aplicadas com os indivíduos mais violentos para modificar seu comportamento e reduzir sua reincidência criminal, e nas escolas, programas socioemocionais desenvolvem habilidades para a convivência pacífica nas crianças.
Muito mais do que uma pirotecnia tecnológica, a revolução da segurança pública ocorre com o uso de metodologias cada vez mais focadas, proativas e integradas, que possuem comprovação científica de efetividade, superando a era dos 'achismos'.
Muito mais do que uma pirotecnia tecnológica, a revolução da segurança pública ocorre com o uso de metodologias cada vez mais focadas, proativas e integradas, que possuem comprovação científica de efetividade, superando a era dos “achismos”.
Uma visita à pequena Camden, a 160 quilômetros de Nova York, deixa claro como essa concepção funciona mesmo em locais empobrecidos. A cidade, que até 2012 era a mais violenta dos EUA, reduziu em 48% seus crimes após ingressar na era da Segurança Pública Baseada em Evidências. Repetindo a experiência do Compstat de Nova York (hoje aplicado em mais de 70% das polícias dos EUA), uma reunião semanal congrega o equivalente aos oficiais e delegados brasileiros para analisar as principais ocorrências criminais e discutir como elas poderiam ter sido evitadas.
Em seguida, são observados os dados para verificar se cada policial seguiu o programa de policiamento em pontos quentes estabelecido minuto a minuto pelo centro de análise criminal e seus superiores são cobrados pelas falhas. O corregedor apresenta a análise das imagens das câmeras de corpo nas ocorrências que tiveram uso da força. Ao fim, é avaliada a previsão para a semana seguinte, produzida com informações elaboradas por um software preditor, analistas criminais e a inteligência.
– Por sermos uma cidade pobre, não podemos desperdiçar recursos – destacou o chefe da polícia.
Como ressaltou Thomas Abt, da Universidade de Harvard, a essência dessa nova segurança é uma atuação que integra projetos de aplicação da lei e de prevenção em territórios, pessoas, grupos e comportamentos que sabe-se estarem associados à violência, ao invés de ações reativas e sem foco.
A queda constante dos índices de violência nos últimos 25 anos em Nova York, que já ultrapassa os 90% e foi acompanhada de redução de 50% do número de presos, não foi fruto do acaso. Como diz o título da excelente biografia de William Bratton, trata-se de “uma grande virada” na forma como se pensa e como se faz segurança pública, que superou o perigoso populismo justiceiro e se tornou uma ciência da prevenção à violência.