Quando entrou no apartamento de Ilza Lima Duarte, 77 anos, no Centro Histórico, em Porto Alegre, a perita criminal do Instituto-Geral de Perícias (IGP) Marion Gonçalves desconfiou que aquele cenário não condizia com morte natural. O tapete estava desalinhado, assim como o sofá. Os chinelos da idosa foram deixados distantes um do outro. Deitada na cama, a anglicana tinha uma xícara ao lado e segurava um pedaço de pão. O caso havia sido registrado em 15 de fevereiro de 2008, com suspeita de acidente vascular cerebral. Onze anos depois, um dos três réus julgados nesta sexta-feira (7), Pablo Miguel Scher, foi condenado a 19 anos e seis meses de prisão.
No quarto da aposentada, um detalhe chamou a atenção da perita. A xícara, enchida até a metade de café com leite, estava com a alça virada para o lado contrário de onde a idosa estava deitada. Marion começou a suspeitar que alguém poderia ter depositado a louça ali. A posição em que a aposentada estava na cama também não condizia com morte natural.
— Ela estava deitada. Ninguém que vai fazer um lanche na cama, faz isso deitado. Era uma cena montada — recorda a perita, atualmente aposentada.
No pescoço de Ilza havia uma marca, como uma queimadura, provocada pela pressão de algum objeto. A desconfiança de que Ilza não tinha morrido de forma natural foi confirmada pela necropsia. A idosa tinha fraturas nas costelas e marcas de asfixia. Era uma morte violenta. Outro detalhe foi conferido pelo médico legista: não havia sinais de que a aposentada tivesse tomado café e comido pão, como indicava a cena no quarto. Marion acompanhou a necropsia e retornou ao apartamento para verificar se havia algum sinal de sangue com uso de luminol. Havia indicativos de que o imóvel havia sido lavado.
— Eu insistia que era uma cena montada. Mas até alguns colegas achavam que eu estava vendo CSI (série policial americana) demais — recorda a perita aposentada.
Apesar do laudo ter apontada a morte por estrangulamento, o registro na Polícia Civil permaneceu como morte natural, o que postergou o início da investigação. O caso só passou a ser apurado quando, de posse do laudo, um grupo de idosas procurou a polícia e o jornal Zero Hora. Ali estava a comprovação de que Ilza havia sido assassinada.
A perícia foi acionada outra vez para fazer novas coletas e a reconstituição do caso. Na tentativa de encontrar algum material genético do autor do crime, buscaram por pelos e impressões digitais. Para isso, foi usado um aparelho que só era empregado em poucos casos. Por sete horas, Marion procurou pelos dentro do apartamento.
— DNA era muito caro naquela época. Não podia estar coletando toda hora para fazer. Descartei os cabelos que poderiam ser da vítima mesmo e me concentrei em pelos masculinos. Aquele tipo de agressão exigia muita força, o que me fazia acreditar que tinha sido um homem o autor. Imaginei que ela deveria ter agarrado ele pelos braços e, como era verão, poderia estar de camiseta. Concentrei a busca em pelos de braços e de pernas.
A digital de uma mão inteira foi encontrada em uma parede da cozinha do apartamento. Ao longo da investigação por parte da Polícia Civil, coordenada pela delegada Vanessa Pitrez, atual diretora do Departamento de Homicídios, três funcionários do prédio — Pablo Miguel Scher, Paulo Giovani Lemos da Silva e Andréia da Rosa — e um casal de vizinhos da vítima — Maria Fernando Homrich e Roberto Homrich — foram apontados como autores do crime. Os cinco se tornaram réus no processo.
A perícia apontou que a digital encontrada na cozinha pertencia a Scher, auxiliar de serviços gerais do condomínio na época. O DNA identificou que um dos pelos coletados era de Silva, porteiro do prédio. Além desses laudos, por seis meses, Marion analisou os depoimentos dos suspeitos e o material coletado na reconstituição. Virava noites debruçada no caso. A polícia e o Ministério Público concluíram que Ilza havia sido estrangulada para que o casal antecipasse o recebimento de cinco apartamentos dos quais eram herdeiros.
— Foi assim que a gente conseguiu desvendar esse caso. Foi o trabalho top da minha carreira — diz a perita que trabalhou também no caso que identificou Adriano da Silva, o "serial killer de Passo Fundo".