Eram quase 18h quando um microempresário, de 33 anos, embarcou no ônibus que seguiria da rodoviária de Porto Alegre até Viamão, na Região Metropolitana. Sentou-se no penúltimo banco, aos fundos do coletivo lotado. Cansado, alternava cochilos com períodos de distração ao celular. Cerca de 40 minutos depois, quando o veículo seguia pela Avenida Senador Salgado Filho, despertou em meio ao anúncio de um assalto. Enquanto via os criminosos recolherem os bens dos outros passageiros, pensou que achariam sua arma. Decidiu reagir.
Antes do assalto, a viagem seguia normalmente. Na parada 36, no bairro Santa Cecília, em frente à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Viamão, o ônibus parou para um homem e uma mulher desembarcarem. Em seguida, um rapaz de camiseta e boné caminhou até a frente. Passou pela roleta e virou-se na direção dos outros passageiros.
— É um assalto! — gritou o criminoso, perto do motorista, apontando a arma para dentro do coletivo.
Um segundo ladrão, sentado na metade do veículo, ergueu-se e um terceiro levantou aos fundos, logo atrás do passageiro armado. Eram dois adolescentes, de 14 e 15 anos. Quando um deles, de mochila na mão, passou a recolher o celular e o dinheiro de uma senhora no banco ao lado, o microempresário sacou a pistola calibre 380 e saltou sobre ele. O ladrão desarmado se atirou no chão, sem reação
— Abaixa a arma. É a polícia! — ordenou o passageiro, mirando na direção do criminoso que estava na parte da frente do ônibus.
Era a primeira vez, segundo ele, em oito anos, que apontava a arma para alguém. Frequentador de estandes de tiro na Capital, costuma treinar disparos com frequência. Desde os 25 anos, o atirador possui armamento registrado. Enquanto segurava a pistola, gritou uma segunda vez:
— Todo mundo se abaixa! Larga a arma! — ordenou ao ladrão. — Desce do ônibus! — insistiu.
Em oito anos, nunca havia puxado a arma para ninguém. Nunca saquei a pistola e ameacei alguém. É difícil. Fiquei três dias sem comer direito. Abalado. É horrível pensar que eram duas crianças.
O assaltante apontava o revólver na direção do passageiro. Na primeira tentativa de disparo, a arma do criminoso falhou. Em resposta, o microempresário diz que tentou atirar na direção do ladrão. Puxou o gatilho, mas também não conseguiu disparar. A pistola estava travada.
Quando ouviu o primeiro estampido, o passageiro destravou a arma e atirou de volta, descarregando a pistola. Foram de oito a nove disparos na direção do assaltante, que se desequilibrou, junto à escada do ônibus. O ladrão seguiu atirando para os fundos do coletivo, sem alvo certo. Os tiros passavam pelo corredor, entre os bancos. O adolescente, de 14 anos, tombou, alvejado por três disparos no abdômen.
— Abre a porta ou eu te mato! — ordenou o assaltante, com a arma apontada para a cabeça do motorista.
Ele desceu em seguida, abandonando os comparsas, e fugiu correndo. O passageiro armado caminhou até a parte da frente com a pistola na mão. Desembarcou do ônibus poucos segundos depois, na mesma parada que o criminoso. Apontou a pistola para a escuridão e guardou a arma outra vez.
Dentro do ônibus, um homem sentado no primeiro assento também cruzou a roleta. Neste momento, percebeu que havia sido baleado de raspão na altura da cintura. Com o adolescente morto, caído no corredor, e o outro, desarmado, contido pelos passageiros assustados, o coletivo partiu. Só parou em frente à 2ª Delegacia de Polícia, a três quilômetros dali, no bairro São Lucas.
"Minha intenção não era matar ninguém"
Uma semana depois do assalto, o passageiro aceitou conversar com GaúchaZH, no escritório do advogado que atua em sua defesa. Contou que decidiu adquirir arma para sua segurança, mas nunca havia sido assaltado antes. Demonstrou estar abalado e pediu para ter a identidade preservada.
O que pensou na hora que decidiu reagir?
Só pensava que eles veriam que eu estava armado. Que iam pegar a arma e me dar um tiro. Sou treinado para isso. Fiz curso de tiro. Não coloquei uma pistola "fria" na cintura e saí por aí. Mas não queria dar tiro. Minha intenção não era matar ninguém. Queria apenas fazer parar o assalto. Foram segundos. Tudo muito rápido.
Sabe quem atirou no assaltante de 14 anos, que acabou morto?
Lembro que estava olhando só para o outro (o criminoso na frente do ônibus). Não me recordo desse (criminoso) no meio. Para mim, estavam todos no chão. Pedi para todo mundo se abaixar. Só via aquele do outro lado da roleta. Acho que quem atirou foi ele (o outro assaltante). Ele atirou sem olhar, só virou a arma e disparou, com os meus tiros indo contra. Acredito que foi ele.
Recorda quantos tiros foram disparados?
Não saí dando tiro para todo lado. Atirei no cara. Foram oito ou nove disparos. Até ele parar de atirar também.
Qual o sentimento que ficou depois?
Tenho arma desde os 25 anos. Em oito anos, nunca havia puxado a arma para ninguém. Nunca saquei a pistola e ameacei alguém. É difícil. Fiquei três dias sem comer direito. Abalado. É horrível pensar que eram duas crianças (os adolescentes).