Um estrondo acorda no meio da noite os moradores de uma cidade da Serra gaúcha. Curiosos, alguns correm para as janelas para ver o que acontecia do lado de fora. Outros se escondem, temendo pelo pior. Era mais um assalto a banco em Nova Pádua, município de 2,5 mil habitantes rodeado por parreirais de uva.
— Eles chegaram, entraram, quebraram os vidros da frente ali e levaram as pessoas para fora, fizeram o cordão ali fora. Fiquei muito assustada porque eles batiam nas pessoas — conta uma moradora de 58 anos, que terá o nome preservado.
Em 10 anos, a cidade registrou 12 ataques, inclusive com uso de explosivos. A frequência de casos fez Nova Pádua ficar no topo de uma lista de municípios com menos de 10 mil habitantes visados por assaltantes de bancos. Nessa relação, há 197 cidades (do total de 331) atacadas desde 2009, segundo levantamento de GaúchaZH. Isso representa que 60% dos municípios gaúchos com até 10 mil habitantes foram alvo de ladrões de banco.
Em Nova Pádua, há três agências bancárias (Banrisul, Banco do Brasil e Sicredi) e dois correspondentes bancários, da Caixa Econômica Federal e do Bradesco. O último assalto ocorreu em setembro do ano passado, quando criminosos explodiram um caixa eletrônico do Banrisul e tentaram furtar o Banco do Brasil, sem sucesso.
Os ataques são lembrados pelos moradores com riqueza de detalhes, como se tivessem ocorrido há poucas horas. Em muitas cidades, os habitantes presenciaram troca de tiros e até tiveram de participar de escudos humanos como proteção aos criminosos.
Em Ibiraiaras, no norte do Estado, a situação foi além. Um refém levado pelos assaltantes acabou sendo morto em troca de tiros com a Brigada Militar. Subgerente do Banco do Brasil, Rodrigo Mocelin da Silva foi colocado no porta-malas, onde foi atingido. Em seguida, os bandidos tentaram se esconder na mata, mas morrem em tiroteio com a polícia.
Morando a poucos metros do Banrisul em Nova Pádua, uma idosa de 88 anos teme pela própria vida. Tem medo que, no próximo ataque, os criminosos exagerem na quantidade de explosivos e sua casa venha abaixo.
— Quando a gente sente barulho, sabe que é no banco. "É para ficar quieto", eles dizem. No início era tudo calmo, não tinha essas ladroeiras ali, mas agora a gente está com medo — observa a idosa, que também tem o nome preservado.
Quem tenta espiar pelas frestas das janelas ainda é ameaçado pelos criminosos. Acordada pelo barulho no meio da noite, uma idosa de 65 anos correu para a varanda para ver o que ocorria na parte externa. Mal tinha colocado o rosto para fora quando escutou:
— Entra, senão eu atiro na senhora.
Na casa do lado, outra idosa de 66 anos também se refugiou em um quarto mais distante da rua após correr para a janela.
— Nós estávamos dormindo, ouvimos explosão lá no fundo, depois viemos para cá (para a janela que dá para a rua). Eu levantei e olhei, vi que eles entraram ali e começaram a explodir. Daí eu falei, vamos se mandar daqui. Ficamos preparados para não levar um tiro — conta.
Quando não ocorrem de madrugada, os assaltos aos bancos acabam interrompendo a rotina dos moradores. Uma mulher, que preferiu nem passar a idade, relata que estava atravessando a rua para deixar o lixo quando avistou um grupo com as mãos para cima na frente do Banco do Brasil de Nova Pádua. Primeiro, achou que fosse uma brincadeira. Mais uns passos à frente, avistou homens armados e encapuzados.
— Aí que eu me assustei, aí saí correndo, voltei correndo, não levei nem mais o lixo ali — conta.
Em outra situação, estava saindo para a rua para bater um tapete quando avistou uma movimentação estranha no Banco do Brasil.
— Pararam aqui na frente de casa encapuzados, aí mandaram descer. "Vão lá para baixo junto com os outros." Daí quando eu vi, eu entrei logo para dentro de casa, aí, inclusive eu liguei para o 190. Foi a vez que eu mais me assustei — conta.
Para o prefeito de Nova Pádua, Ronaldo Boniatti, a cidade virou alvo de criminosos por quatro fatores: variedade de vias de acesso à cidade e proximidade com grandes cidades da Serra gaúcha, como Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Farroupilha. Além disso, o chefe do Executivo destaca para o alto poder aquisitivo dos moradores da região e pela preferência dos bandidos por cidades menores, com baixo efetivo policial.
Aqui a explicação é uma soma de fatores. Estar perto de grandes centros, ser um município pequeno e vias de acesso que facilitam a fuga
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Boniattti lembra bem quando o Banco do Brasil foi assaltado há quatro anos. Na época, ele era vice-prefeito e recorda que os moradores passaram a telefonar para a prefeitura para tentar conter os criminosos.
— Na época as pessoas ligaram para a prefeitura para colocar uma máquina na estrada para não deixar eles saírem. Na verdade, a gente achou engraçado. Já pensou a gente segurar o pessoal que estava assaltando banco dentro da cidade? Aí, sim, ia ter algum risco de alguém sofrer algum assassinato, já pensou eles não conseguirem sair pela saída principal? — relata o prefeito.
Com 5,4 mil habitantes, Barão é a segunda cidade com menos de 10 mil moradores com a maior incidência de ataques a bancos. No município, as agências do Sicredi e do Banco do Brasil ficam na mesma avenida, em diagonal uma com a outra. Ali já ocorreram 11 ataques em um intervalo de dez anos.
Uma comerciante de 64 anos, que morava em um apartamento em cima do Sicredi, lembra que no último assalto acordou como se estivesse em meio a um terremoto.
— Eu acordei com um estrondo de coisas que se batiam uma na outra, como aquele caminhão que anda e bate. Não sei como me deu um clique: "Aí, isso pode ser um assalto" —lembra a idosa, que chegou a abrigar uma vizinha do prédio, também assustada com a explosão.
Passado o susto, ela ainda se diz apreensiva com um futuro ataque. Qualquer barulho atípico na noite, já a faz pensar ser um novo assalto.
— É uma coisa muito séria. Uma sensação de impotência — conta.
A cidade não registra nenhum ataque desde julho de 2017. No último assalto, os criminosos foram ousados a ponto de atravessar um caminhão no meio de uma avenida para evitar que a Brigada Militar se aproximasse deles. O alvo deles era o banco Sicredi, mas o grupo não conseguiu levar dinheiro.
Para o prefeito Cláudio Ferrari, a explicação para a baixa nos casos na cidade está relacionada pelas últimas ações frustradas. Outro motivo está na redução do volume de dinheiro disponível nas agências.
Os assaltantes vão aonde tem facilidade e onde tem dinheiro.
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— Hoje tu vais tentar sacar dinheiro aos sábados e normalmente não tem mais numerários. Os assaltantes vão aonde tem facilidade e onde tem dinheiro. Os últimos assaltos que aconteceram aqui não tiveram sucesso, em função disso eles estão indo para outras regiões — salienta o prefeito.
Ferrari inclusive presenciou um assalto no Banrisul, em 2013, quando trabalhava na agência. O grupo levou dinheiro dos caixas de atendimento. Entretanto, na saída da cidade, os criminosos capotaram o carro, conseguiram fugir em outro veículo, mas acabaram presos pela Brigada Militar em Caxias do Sul.