A pergunta que não quer calar no crime que matou Marielle Franco e Anderson Gomes por quê? pode ser respondida agora. Ao menos é o que defendem a polícia e o Ministério Público do Rio (MP-RJ), pelas pesquisas que o policial reformado Ronnie Lessa fez na internet antes do fatídico dia 14 de março de 2018.
Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz foram presos na madrugada desta terça-feira (12) suspeitos de terem executado a vereadora Marielle, seu motorista Anderson Gomes e tentado matar a assessora Fernanda Chaves, há quase um ano.
Segundo a investigação, Lessa fez inúmeras buscas sobre a vereadora, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) e a esposa dele antes do assassinato. Procurou também (ainda que em menores quantidades) informações sobre o general Richard Nunes, secretário de Segurança durante a intervenção federal, além de delegados e outras autoridades.
A "obsessão" por personalidades da esquerda foi o que levou a promotoria a adicionar à acusação de homicídio uma agravante de "motivo torpe", ou seja, imoral. Também foi um dos elementos que levaram à prisão dos dois homens que estavam no carro naquela noite. A polícia segue investigando se há mandantes para o crime.
— Quando você faz a análise telemática (de dados de uso na internet), você percebe que qualquer uma daquelas pessoas poderia ser a vítima. Por exemplo, Freixo, esposa do Freixo [...] as pesquisas maiores eram de personalidades ligadas à esquerda — disse o delegado.
Sem câmeras no local do crime ou reconhecimento por testemunhas, já que os matadores ficaram duas horas de tocaia aguardando Marielle sem sair do carro e o atirador usou uma touca ninja, a Polícia Civil fluminense investiu nos movimentos durante o que chama de "pré e pós-crime".
Denúncia anônima
Foi em outubro do ano passado que o nome de Lessa começou a se encaixar nas peças. Uma denúncia anônima indicou que ele estava dentro do carro usado no assassinato e que ele havia saído de uma área específica da Barra da Tijuca (zona oeste carioca) para executar o crime.
A polícia já havia investigado Lessa, mas não havia indícios que o colocavam na cena do crime. A partir da denúncia, os investigadores sabiam onde procurá-lo em imagens de câmeras de trânsito do dia da morte de Marielle.
Em seguida, a investigação verificou que Lessa havia sofrido uma tentativa de assassinato um mês após a morte de Marielle. O atentado com tiro no pescoço em um restaurante havia levantado na época a suspeita de queima de arquivo, depois descartada.
A partir da nova denúncia, os investigadores revisitaram as imagens colhidas à época do crime do possível trajeto efetuado pelo carro do crime e confirmaram a informação. O celular de Lessa também ajudou na confirmação.
A polícia recorreu à quebra de informações de 2.428 antenas de telefonia celular e de dados de 33.329 linhas, das quais 318 foram interceptadas. O objetivo era verificar todas as pessoas que usaram seus celulares em uma área próxima à reunião em que Marielle estava e checar o deslocamento de suspeitos.
— Eu tenho absoluta compatibilidade entre o deslocamento do local da execução até o local de retorno (de Lessa) e, mais perto da madrugada, eu tenho a captura dele entrando na residência dele — disse o delegado do caso, Giniton Lages, ao comentar a análise dos dados do celular de Lessa.
O atirador Lessa também deixou outros rastros na internet. Ele havia pesquisado o endereço de Marielle, um modelo de arma compatível com a usada no crime e um silenciador, condizente com os relatos de que os tiros disparados contra o carro da vereadora tinham o som abafado. Ele ainda buscou informações sobre bloqueadores de sinal de celular e de GPS.
Lages não deu detalhes das técnicas utilizadas na investigação. Mas disse que polícia recorreu a um volume grande de informações fornecidas por empresas de telefonia móvel. Até mesmo as operadoras de telefonia teriam tido dificuldade em organizar os dados requisitados. O cruzamento de dados das linhas em diferentes antenas e em diferentes momentos levou à identificação de celulares chave na investigação.
Tecnologia
O delegado Giniton Lages cobrou publicamente o governador Wilson Witzel pela incorporação de novas técnicas de investigação que não dependam apenas a interceptação telefônicas, mas que consigam analisar um volume maior de dados de celulares.
— É preciso dizer, governador, que não se faz mais investigações com interceptação telefônica. Temos que avançar. O caso Marielle e outros casos com essa sofisticação não fecham (apenas) com interceptação telefônica.
Um grupo do Ministério Público também ajudou na identificação física do atirador. A imagem gerada por câmera de infravermelho feita no local onde os matadores ficaram de tocaia, esperando a vereadora sair, permitiu compatibilizar as características de Lessa.
— Descobrimos que era um homem entre 1,79 e 1,72 m, fomos caminhando, até que chegamos às perícias comparativas com os homens que nos eram indicados pelas promotoras da investigação — afirmou Elisa Fraga, da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI).
Por meio de análises de luz e sombra, ficou concluído que só havia dois homens no veículo, e não três, como a polícia achava antes — mesma técnica usada no caso Amarildo. Essa técnica não é novidade, diz Fraga, mas outras inéditas não foram reveladas para não prejudicar o restante das investigações.
O comportamento no celular também ajudou a incriminar o segundo preso do dia, ex-PM Élcio Vieira de Queiroz.
—Quando o nome do Ronnie Lessa surge como envolvido, imediatamente a autoridade policial passa a investigar quem seriam as pessoas atreladas a ele. Se pressupôs que seria alguém de alta confiança e algumas pessoas foram levantadas, entre elas o Elcio (Vieira de Queiroz, ex-PM também preso) — afirmou a promotora Letícia Emile.
A quebra de sigilo telefônico e telemático (e-mail, redes sociais etc.) de Queiroz então mostrou que era ele quem estava naquele dia com Lessa. A promotoria o acusa de ter dirigido o carro do crime, um Cobalt que nunca foi achado.
Uma das imagens de vigilância analisadas pela investigação também permitiu ver que uma assessora de Marielle chegou a tocar na maçaneta do carro dos criminosos enquanto eles faziam uma campana e aguardavam a saída de Marielle. Ela havia se confundido, achando que o carro dos criminosos estava na rua para atender à sua corrida por aplicativo. Ela logo percebe o equívoco e desiste de abrir a porta do veículo onde estavam os criminosos armados.
Segundo os investigadores, o detalhe não tem relevância para a investigação, mas poderia ter alterado completamente o desfecho naquele dia.
Durante a apresentação da investigação à imprensa, o delegado Giniton Lages, fez questão de frisar a sofisticação e preparo dos criminosos ao executar o crime, dificultando a investigação.
— Eles não erraram.
O inquérito até agora não foi concluído, ele foi desmembrado em dois. Falta agora a polícia descobrir se houve ou não um mandante do crime. Os suspeitos, como há um ano, são sigilosos.