As horas de tensão vividas por moradores do bairro Mario Quintana, na zona norte de Porto Alegre, com Delegacia de Polícia apedrejada, trânsito interrompido por barricadas, linhas de ônibus paralisadas, policiais militares feridos e pessoas presas, tiveram reflexos diretos no cotidiano da comunidade local nesta quarta-feira (24).
O comando do 20º Batalhão da Brigada Militar mantém reforço no policiamento ostensivo no bairro. Itinerários de ônibus são monitorados e uma tropa reserva é mantida de sobreaviso em caso de possíveis distúrbios. São cerca de 60 policiais militares envolvidos (20 a menos do que no início da madrugada). Na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Victor Issler, apenas um terço dos alunos compareceu às aulas no turno da manhã, de acordo com estimativa dos professores.
Os conflitos, que foram iniciados durante a terça-feira (23) e invadiram a madrugada de quarta, tiveram origem em boatos, propagados principalmente por redes sociais, de que um homem estaria tentando raptar crianças no bairro. Pais correram para a escola e, apenas 20 minutos após o início do turno da tarde, retiraram seus filhos das aulas.
Pouco tempo depois, um novo boato dizia que um suspeito de raptar crianças estaria preso na 18ª DP. Cerca de cem pessoas foram para o local e, apesar dos apelos feitos pela delegada Vandi Tatsch, que chegou a subir na carroceria de um veículo para ser ouvida, o grupo não se dispersou. Em um dos momentos mais tensos, vidros da delegacia foram quebrados por pedras atiradas e um policial civil, cercado por manifestantes, teve de dar um tiro para o alto, como forma de advertência. Por volta das 19h15min, a tropa de choque da BM usou bombas de efeito moral para afastar os manifestantes.
Em outros pontos do bairro, grupos de vândalos promoveram ataques simultâneos. Houve a tentativa de incendiar um coletivo, um ônibus foi depredado e vias foram obstruídas. O comando do 20º BPM informou que houve três prisões, duas por incêndios e uma por danos ao patrimônio público e lesões (o suspeito teria danificado uma viatura e ferido um PM).
"Tivemos que trabalhar com a DP fechada"
Com mais de 25 anos de Polícia Civil, a delegada Vandi Tatsch já havia enfrentado outras situações de conflito coletivo. No entanto, de acordo com a policial, ocorrências deste tipo são tensas até mesmo para agentes experientes. Ela acredita que a revolta de terça-feira tenha sido consequência da morte da menina Eduarda Herrera de Melo, de nove anos, que desapareceu no domingo (21) à noite, no bairro Rubem Berta e cujo corpo foi encontrado na manhã de segunda, no Rio Gravataí, em Alvorada.
Na sua opinião, qual o motivo dessa revolta da comunidade, que chegou a apedrejar a delegacia?
O fato é que houve a morte da menina. A população se revolta com razão, mas não adianta cercar e apedrejar a delegacia. Isso só piora a situação.
As pessoas falam que houve uma tentativa de rapto na terça-feira. Isso é verídico?
Ontem (terça-feira) teria ocorrido um fato também. Uma tentativa. Não temos conhecimento, pois esses casos envolvendo crianças vão para o Deca. É tudo por lá. Se houve, será investigada pelo Deca.
Mas sobre o tumulto em frente à delegacia, qual a sua avaliação?
Eu peço à população que não venha para a frente da delegacia, pois sempre tem uma meia-dúzia que se aproveita disso para causar tumulto. Hoje (quarta-feira) tivemos que trabalhar com a DP fechada. Isso acaba atrapalhando o nosso serviço e a própria comunidade, que não consegue registrar ocorrências.