Em um mês marcado por operações policiais violentas, que culminaram na morte do estudante Marcos Vinícius da Silva, 14 anos, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, especialistas em segurança pública e moradores de comunidades questionam o modelo das operações e a própria intervenção federal.
Somente nas duas últimas semanas, foram 14 pessoas mortas em operações das forças de segurança no Chapéu Mangueira-Babilônia, na zona sul da cidade, e no Complexo da Maré, na zona norte do município. Com exceção de Marcos Vinícius, os outros mortos eram, segundo a polícia, traficantes que teriam recebido os policiais a tiros e acabaram mortos.
— Isso não é mais admissível — afirmou a especialista em segurança pública Jaqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF). — Não aceito mortes de cidadãos nem de policiais, isso não é resultado que se apresente. Se tem morte, não é eficaz, não importa quem morreu.
A diretora do Observatório da Intervenção, a socióloga Sílvia Ramos, também frisou que não se pode "naturalizar" a morte de supostos criminosos.
— É um protocolo preocupante, a polícia está entrando nas comunidades para matar criminosos — ressaltou.
A Secretaria de Segurança e o Gabinete da Intervenção Federal seguem sem se pronunciar, apesar dos sucessivos pedidos de entrevista. A Polícia Civil também não dá entrevistas, mas divulgou na sexta-feira (22) uma nota.
Segundo o texto, a polícia está "empenhando todos os esforços" para esclarecer a morte de Marcos Vinícius. "Outro inquérito apura as circunstâncias das mortes dos seis homens, que receberam os policiais sob intenso tiroteio. Até o momento foi apurado que um deles é o chefe do tráfico no Caju e outro estava com uma tornozeleira eletrônica", diz.
De acordo com moradores, no entanto, os seis homens foram executados em uma ação que seria uma vingança contra a morte do detetive Ellery de Ramos Lemos, no dia 12, em Acari. Na ocasião, vários policiais juraram vingança aos responsáveis pela morte.
Um outro ponto muito criticado por moradores e especialistas foi o uso do helicóptero blindado, chamado de caveirão aéreo, para disparar tiros contra a comunidade, o que vem se tornando recorrente em operações da Polícia Civil. A organização não governamental (ONG) Redes da Maré contabilizou mais de 59 marcas de tiros vindos do alto em uma área de apenas 280 metros.
— O objetivo da polícia em qualquer operação deve ser prover segurança, ela não pode ser um fator de insegurança para a comunidade; não pode fazer uma operação motivada por vingança, pelo olho por olho — afirmou Jaqueline. — A polícia não pode ser uma força provocativa, não pode chegar dando tiro, rajada, abrindo clarão na mata; isso é bonito em filme da Tela Quente (sessão de filmes da TV Globo), mas não funciona assim (no dia a dia)."
A diretora da Redes da Maré, Eliana Sousa Silva, lembra que nas 16 favelas que formam o Complexo da Maré vivem cerca de 140 mil pessoas, em um raio de menos de cinco quilômetros.
— Estamos extremamente indignados, é uma área muito densa, causa pânico um helicóptero dando rasantes e atirando — disse.
Na análise de Jaqueline, quem acaba se beneficiando dos sucessivos confrontos entre polícia e traficantes são os milicianos que, nos últimos dez anos, praticamente dobraram sua área de atuação.
— É um circulo vicioso: naturalizamos as mortes e não avançamos nada no controle do crime, não há nenhum avanço sobre a economia do crime. E qual o resultado de toda essa bateção de cabeça? É o aumento do poder da milícia no Rio. Estão liberando os territórios para a milícia — observou.