A denúncia que o Ministério Público Estadual concluiu nesta semana contra uma célula da facção Bala na Cara revela negócio criminoso semelhante ao funcionamento hierárquico de uma empresa.
Na chefia, está José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, capturado no Paraguai em 2016 e hoje recolhido à Penitenciária Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Conforme a apuração feita pela Polícia Civil em conjunto com o Ministério Público, pelo menos 40 pessoas integraram a organização criminosa que lavou dinheiro do tráfico de drogas e de armas.
Destas, 18 participaram diretamente de ações que permitiram a lavagem de valores, fazendo depósitos em contas de terceiros ou mesmo emprestando suas contas para a movimentação da quadrilha. O trabalho para dissecar os negócios do bando resultou na identificação de
R$ 2.633.601 em contas de pessoas físicas e jurídicas sob suspeita (mais de cem contas foram investigadas), na apreensão de 20 veículos (14 carros de passeio e seis motos) e no sequestro de sete imóveis, sendo dois minimercados, uma loja de roupas, uma lavagem de veículos e três casas (entre elas, um sítio em Gravataí).
Abaixo de Minhoca, as autoridades identificaram uma cadeia de integrantes do grupo com tarefas específicas: o comando administrativo, formado por testas de ferro, os gerentes de boca de tráfico, os executores de tarefas criminosas, como homicídios, as pessoas que faziam os depósitos e as que emprestaram seus nomes para receber valores ou para constar como donos de bens, como imóveis. Entre os denunciados estão a mãe e a mulher de Minhoca.
O funcionamento da "empresa" ficou claro a partir da análise do telefone celular apreendido com Minhoca no Paraguai. Foi nele que a polícia encontrou fotos de armas, de membros do grupo e de comprovantes de depósitos, e diálogos indicando que Minhoca dava ordens para venda de drogas e de armas, para a realização de depósitos bancários e de pagamentos, para transações com imóveis e até informava subordinados sobre pessoas do grupo que estavam com prisão decretada. Também viriam dele ordens para homicídios de desafetos ou concorrentes.
Diversas conversas de Minhoca com outros membros do grupo são usadas como prova na denúncia feita pela Promotoria de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro e Organização Criminosa do MP. A investigação que embasa o trabalho dos promotores é da Delegacia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro do Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos da Polícia Civil, na chamada Operação Ruína.
Facção movimentava até R$ 2 milhões mensais com crimes
A apuração mostrou que essa facção movimentava entre R$ 400 mil e R$ 500 mil por semana. A partir de documentos apreendidos pela polícia, o MP informou na denúncia que, em diversos depósitos feitos em 2016, Minhoca fez girar cerca de R$ 2 milhões em contas de parceiros. A sistemática de fazer depósitos em contas de empresas ou até pagamentos de boletos por serviços inexistentes era para facilitar o saque de valores.
Além de denunciar 40 pessoas por organização criminosa, 18 por lavagem de capitais e três por corrupção de menores, o MP pediu à Justiça que os bens bloqueados sejam revertidos para o Estado, mais especificamente, à Polícia Civil. O promotor Marcelo Tubino, um dos que assinam a denúncia, destacou a importância do trabalho desenvolvido em conjunto com a Promotoria de Justiça do Alto Petrópolis e com a Polícia Civil, além da eficiência do Poder Judiciário, que analisou com rapidez pedidos de medidas cautelares.
— Temos gerações que tiveram de se privar de andar tranquilamente nas ruas. O MP, dentro daquilo de seu alcance, ciente da complexidade do problema, mediante investigações de lavagem e organização criminosa, vem apostando na descapitalização do criminoso, que o impulsiona à sequência de crimes, tentando melhorar esse quadro. Temos de mostrar ao criminoso que realmente o crime não pode compensar, privando-o da liberdade mas, especialmente, afastando-o daquilo que ele sempre perseguiu: o lucro e vantagem econômica — disse Tubino.
Quem é José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, segundo a apuração
— Ao fugir para o Paraguai, tornou-se distribuidor de drogas e de armas.
— Tem antecedentes por delitos de roubo (a motoristas e pedestres, com lesões), lesão corporal, ameaça, posse de entorpecentes, porte de arma de fogo (uso permitido e restrito), receptação, sequestro e cárcere privado, latrocínio, além de diversas ocorrências de tráfico de drogas e homicídios (tentados e consumados). Quando preso, foi apontado pelo envolvimento em pelo menos 25 assassinatos. Desde 2000, foram expedidos 13 mandados de prisão contra Minhoca.
— O criminoso registra passagem pelo sistema prisional desde o ano de 2000, quando foi recolhido pela primeira vez ao Presídio Central. Foi detido em mais cinco oportunidades, sendo duas prisões e três recapturas.
— Em agosto de 2016, Minhoca foi preso em Ciudad del Este, no Paraguai. A ação foi comandada pela polícia local e pela Delegacia de Capturas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), do Rio Grande do Sul. De lá, por representação da Polícia Civil, foi transferido para o sistema prisional federal, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o que prejudicou a sua gestão na facção que comanda.
Contraponto
O que diz Anderson Roza, advogado de Minhoca:
“ Estamos aguardando para saber quem será denunciado e qual ação será imputada a cada uma dessas pessoas, já que o indiciamento no inquérito policial não individualizou as ações. Somente com a análise da denúncia será possível verificar a amplitude da acusação e consequente formatação das defesas dos acusados.”