Capaz de burlar as novas regras anunciadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para tirar do ar celulares irregulares, um novo esquema de fraude para liberar o uso de aparelhos bloqueados por roubo foi revelado, ontem, pelo programa Fantástico. Produzida pela RBS TV, a reportagem mostrou que oficinas especializadas estão "clonando" os telefones ilegais, que passam a assumir a "identidade" de um aparelho legal, e de igual modelo.
O esquema foi constatado em oficinas especializadas de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Na capital gaúcha, um técnico dono de loja em uma galeria se dispôs a desfazer dois tipos de bloqueio: conta Google (para os modelos que usam sistema operacional Android) e Imei.
No primeiro, o homem consegue desvincular um aparelho do e-mail do proprietário, liberando aplicativos para serem utilizados por outro usuário. A outra fraude, mais grave, consiste em "clonar" um celular bloqueado. Assim como acontece com carros roubados, ladrões encontraram uma forma de trocar o código de fábrica conhecido como Imei, uma espécie de "chassi", único para cada aparelho. Assim, o "chassi" bloqueado pela operadora dá lugar a outro, sem restrições. O "serviço" completo sai por R$ 200.
A adulteração de Imeis também foi oferecida pelo funcionário de uma loja do Pop Center, o camelódromo de Porto Alegre. Por R$ 120, ele prometeu trocar o serial bloqueado. Para testar o esquema, a equipe da RBS TV fez o bloqueio de um dos celulares roubados de uma mochila, durante a série de reportagens que abordou o problema.
Depois, o repórter cinematográfico Glaucius Oliveira encomendou o serviço e gravou tudo com uma câmera escondida. Em uma hora, o homem devolveu o aparelho, que passou a funcionar com o Imei pertencente a outro telefone, de igual modelo, como mostra uma consulta feita no site Imei.info, que testa a autenticidade desse tipo de código, no mundo todo.
— Todas as operadoras podem "botar" aí — diz o homem responsável pela adulteração.
Assim, o telefone roubado, que antes constava como "impedido" em consulta no site do órgão regulador, passou a figurar no portal sem qualquer tipo de restrição. A fraude surpreendeu o presidente da Anatel, Juarez Quadros:
— O Imei foi verificado por nós, ele é um Imei normal, sem nenhum registro quanto a roubo ou furto ou perda. É alguma coisa que merece uma atenção, mas que não é corriqueira, é um fato isolado.
A fraude coloca em xeque anúncio recente feito pelo órgão regulador, que pretende tirar do ar, a partir de maio, 40 milhões de celulares não homologados ou que usam Imeis fraudados. Isso porque o novo código inserido no telefone da reportagem não deixaria de sair do ar, uma vez que não apresenta restrições no sistema da agência. É como se fosse um celular legal.
— Após comprovarmos que é possível clonar o número de Imei, significa que o mecanismo atual implementado pela Anatel não é eficiente para inibir que aparelhos roubados voltem a operar normalmente na rede de telefonia. É necessário aprimorar o sistema de verificação dos números de Imeis conectados na rede, pois somente dessa forma será possível inutilizar os aparelhos celulares — afirma Ronaldo Prass, especialista em tecnologia.
Responsável pelas concessões de lojas no Pop Center, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre informou que, em operação recente, nada de irregular foi encontrado na loja que fez o desbloqueio do celular e que depende de investigação policial para punir o concessionário envolvido na fraude.
Até quatro anos de prisão
Quem altera o número do Imei do celular comete o crime de receptação, salienta o delegado Cesar Carrion, da 2ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre. As penas para receptação podem variar de um a quatro anos de prisão, segundo o Código Penal.