No primeiro dia de 2018, a Polícia Civil gaúcha passará a utilizar, desde o início da investigação, o termo feminicídio nos casos de assassinatos de mulheres motivados por gênero. Atualmente, quando uma mulher é morta nestas circunstâncias, o crime é tipificado como homicídio no boletim de ocorrência e, só ao fim do inquérito, ganha status de feminicídio. Não haverá mudanças, entretanto, nos processos de apuração e indiciamento. A investigação continua a cargo das 22 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams), onde elas existem, e, nas demais cidades, com as delegacias locais ou de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
— A diferença é que, estatisticamente, o feminicídio só era contabilizado após o indiciamento. Agora, desde o início poderemos acompanhar a incidência deste crime. Claro que, ao fim da investigação, poderá ser concluído que a morte não foi motivada por questão de gênero — esclareceu o chefe de Polícia, delegado Emerson Wendt.
Conforme os indicadores da violência contra a mulher, divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP), 65 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul nos primeiros nove meses do ano por discriminação de gênero. Na comparação com o mesmo período de 2016, quando 75 feminicídios foram consumados, houve queda de 13%.
Já os feminicídios tentados tiveram alta de 39%, ao subir de 178 para 247 ocorrências. Desde 2013, quando o governo passou a disponibilizar os indicadores de feminicídios tentados, nunca houve tantos registros como em 2017.
Para a coordenadora das 22 unidades das Deams no Estado, delegada Adriana Regina da Costa, a adoção do termo pela Polícia Civil nos boletins de ocorrência, além representar uma conquista das mulheres, ajudará no trabalho de prevenção e adoção de políticas públicas.
— Poderemos trabalhar em cima destes dados. Ter noção da quantidade de feminicídios antes mesmo de remetê-los ao Judiciário — avaliou.
A tipificação de feminicídio nos boletins de ocorrência é uma das bandeiras levantadas pelo movimento Minha Porto Alegre. Na campanha "issoéfeminicídio", o grupo afirma não aguentar "tantas vidas virando números e esses números não serem contabilizados da forma correta". Para eles, é "preciso saber quando foi feminicídio para que isso se transforme em estatísticas úteis, que permitam compreender e enfrentar essa violência que vitimiza as mulheres gaúchas todos os dias".
— Temos números que não são reais. Lutamos por dados mais confiáveis que permitam traçar políticas públicas que realmente visem a proteção da mulher vítima de violência. Hoje, a maioria dos feminicídios é tratada como crime passional — destaca a diretora do Minha Porto Alegre, Carolina Soares, 30 anos.
Em comemoração à decisão da Polícia Civil, pessoas ligadas ao Minha Porto Alegre se reuniram na Parque da Redenção às 9h desta quinta-feira. Para cada mulher assassinada em 2016, um par de calçado foi exposto em protesto.
Feminicídios consumados entre janeiro e setembro
2012 - 83
2013 - 74
2014 - 53
2015 - 73
2016 - 75
2017 - 65
Feminicídios tentados entre janeiro e setembro
2013 - 170
2014 - 213
2015 - 228
2016 - 178
2017 - 247
Feminicídio
Conforme a Lei 13.104, ou Lei do Feminicídio, considera-se enquadrado nesse crime quem mata uma mulher por questões de gênero. Isso ocorre em casos de violência doméstica, menosprezo e discriminação por ser do sexo feminino. A pena para feminicídio varia de 12 a 30 anos, assim como nos homicídios qualificados.
Projeto na mesa de Michel Temer
Aguarda aprovação do presidente Michel Temer um projeto de lei de 2016, aprovado no Senado em 10 de outubro. A proposta prevê mudanças na aplicação de medidas protetivas para as vítimas de violência doméstica. Assim, em caso de urgência, a Polícia Civil poderá gerar a medida, encaminhando para o Judiciário em até 24 horas, que poderá manter ou retirar a proteção. A delegada gaúcha Nadine Farias Anflor, que defendeu o projeto no Senado em 2016 e acompanhou a tramitação, considera positiva a aprovação no Congresso e defende que a lei deve ser sancionada sem vetos.