Por trás da máscara negra, um homem agressivo ameaçava metralhar os reféns posicionados como escudos humanos diante de três agências bancárias de Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, em 16 de junho deste ano. A cena havia se repetido, dias antes, em Campestre da Serra, Boa Vista do Buricá, Pouso Novo, Mampituba e Progresso, todas cidades interioranas e com efetivo reduzido da Brigada Militar. Em julho, Tavares, no Sul, foi um dos alvos dessas quadrilhas que agem exclusivamente à noite, com explosivos, e que têm tarefas definidas: enquanto alguns do bando apontam armas de grosso calibre aos reféns, outros explodem os caixas eletrônicos para recolherem o dinheiro.
Como cangaceiros, esses assaltantes bloqueiam qualquer ação policial e tomam para si, mesmo que por alguns minutos, as pequenas cidades do Interior ao colocarem a população na linha de tiro. Oito ataques com essas características aconteceram no Estado entre 1º de janeiro e o dia 22 de julho. No mesmo período do ano passado, não foram registradas investidas assim. Ao levar em conta o total de ataques com explosivos, com ou sem reféns, houve aumento de 16 para 29 em um ano, elevação de 81%. Somente neste mês, ao menos oito investidas nestes moldes foram registradas até o último sábado. Nesse levantamento não estão sendo contabilizados os arrombamentos sem uso de explosivos, como o realizado em Novo Hamburgo nesta quarta-feira (26).
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Para a Delegacia de Repressão a Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) há, hoje, três quadrilhas especializadas neste tipo de ação. Uma delas é liderada pelo procurado número 1 no Rio Grande do Sul: Ivo Francisco dos Santos Assis, 41 anos. Mentor da sua organização, conhecido como Ganso Baio, está foragido desde 2012, quando foi condenado a mais de 28 anos de prisão por roubo a estabelecimento bancário de Carlos Barbosa naquele mesmo ano. Ele é suspeito de comandar, entre outros, o ataque a dois bancos em Progresso no dia 25 de fevereiro e três em Encruzilhada do Sul. Também é apontado como responsável por arquitetar as ações, conseguir armamento e recursos para a quadrilha.
– Esses grupos têm ligação com facções do Vale do Sinos, Região Metropolitana e Vale do Rio Pardo. São elas que facilitam a aquisição e até fornecem veículos furtados e roubados, além de armamentos, em geral vindos de outros países. Além disso, reúnem criminosos das mais variadas localidades – explica o delegado João Paulo de Abreu, que atua no Deic.
Munição até para derrubar avião
No arsenal de guerra, constam fuzis, metralhadoras, explosivos e até munição capaz de derrubar avião, empregada exclusivamente em ataques a carros-fortes. Experientes, essas quadrilhas utilizam moradores nas cidades-alvo como comparsas para conseguirem informações privilegiadas. O grupo, então, se abastece desses dados, como números de policiais e alternativas de fuga, para montar a rota de saída por estradas vicinais e para definir o melhor momento de agir.
– Cidades são atacadas mais de uma vez por haver alguém da quadrilha com informações. Dificilmente atacam municípios que não conhecem ou deslocam alguém de fora para analisar o terreno, justamente para não levantar suspeita. É alguém dali que passa as informações – disse o delegado Joel Wagner.
Grupos que agiam à luz do dia foram desarticulados
Em 17 de maio, a Operação Tríade, para combater roubos a banco realizados em horário de expediente com uso de escudo humano, desarticulou pelo menos três organizações criminosas responsáveis por diversos ataques em 2016 e 2017. Os alvos foram núcleos criminosos liderados por Alexandre Longhi da Rosa, o Fazenda, Adair da Silva Chaves, o Daio, e Luiz Carlos de Oliveira, o Corcorã. Ao todo, 34 pessoas foram presas na ação. Três, que não foram encontradas, são suspeitas de agirem menos de um mês depois, em Putinga. Este foi o último ataque nos moldes das quadrilhas desarticuladas na operação. Neste tipo de ataque houve redução de 33 casos em 2016, para 20 neste ano.
– Agora, estamos colhendo elementos para desarticular, quadrilhas que usam explosivos – ressaltou o diretor de Investigações, delegado Sander Cajal.
Orientação para PMs não reagirem
Diante da supremacia de força dos criminosos que chegam às cidades do Interior em maior número do que os PMs em serviço, a Brigada Militar adotou estratégia de não reagir aos ataques.
– Estamos fazendo a repressão. Tão logo acontecido o fato, temos, principalmente no Interior, planos de barreiras para reagir rapidamente buscando a captura destes criminosos – disse o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Mario Ikeda.
A intenção é resguardar a integridade física dos policiais militares, mas, principalmente dos reféns. Os brigadianos são orientados a buscar reforço para que a repressão ocorra após o início da fuga. Inclusive, helicópteros podem ser solicitados. O ex-secretário nacional de segurança pública José Vicente da Silva Filho e o especialista em segurança estratégica Gustavo Caleffi concordam com a dificuldade em prevenir ataques.
– Não compensa retirar policiais das áreas urbanas para colocar no Interior sem saber quando as quadrilhas irão agir – argumentou Filho.
Caleffi ressalta que a escalada dessas ações se dá em razão da impunidade.
– Com a falência da segurança pública, os bandidos agem cada vez mais. O que temos de fazer é combater a criminalidade: se combater o ataque a banco, haverá migração para outros delitos. O roubo de carros vai aumentar, por exemplo.