A investigação da Polícia Federal que levou à prisão dos ginecologistas Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira, em Itaqui, reuniu o depoimento de pelo menos 16 vítimas identificadas, que relataram ter pago valores entre R$ 400 e R$ 1,8 mil, tanto a Solano quanto a Alfonso. Os valores eram mais altos para as laqueaduras. O caso mais antigo é de 13 anos atrás. A PF estimou que, nesse período, os médicos teriam cobrado ilegalmente R$ 1,6 milhão, tomando como base média de 10 casos por mês (calculada a partir da proporção verificada nos partos de fevereiro de 2016).
– A gente fechou em 13 anos porque o caso mais antigo em que conseguimos documentação de que o parto aconteceu pelo SUS é de 2003. Essa criança foi a óbito porque a mulher não teve condição de pagar. Também há dois casos de crianças que ficaram com sequelas – revela a delegada da PF Ana Gabriela Becker Gomes, responsável pela investigação.
Depois das prisões, no entanto, já há elementos para acreditar que o período de funcionamento do esquema e o prejuízo para a sociedade sejam bastante superiores ao estimado inicialmente. Na semana que passou, a delegada recebeu enxurrada de novas denúncias, algumas com mortes de bebês e outras referentes a cobranças efetuadas duas décadas atrás. Zero Hora localizou uma mulher que disse ter feito um pagamento há 26 anos. Ana Gabriela espera incluir esses novos depoimentos no inquérito, que deve ser concluído em um mês.
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A investigação apurou que, inicialmente, as cobranças seriam feitas por Solano, porque Alfonso ainda não atuava no hospital. Há cerca de três anos, o médico mais antigo foi descredenciado. No começo do ano passado, foi a vez de Alfonso deixar o São Patrício. O anestesista investigado também foi desligado.
– Acredito que o hospital, a partir dos nossos ofícios, de os policiais estarem lá investigando, resolveu afastar esses médicos. Até porque o hospital começou a colocar cartazes orientando as pacientes de que elas não poderiam ser cobradas e a exigir que assinassem declaração de que nada pagaram. Mas tenho declaração dessas assinadas cujas mulheres disseram que pagaram: "Assinei, mas paguei". Mesmo com as suspeitas, os médicos continuaram com as cobranças – conta a delegada.
Clique nas imagens abaixo e veja os relatos de vítimas dos médicos investigados:
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CONTRAPONTOS
O que dizem Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira
Nos depoimentos que deram depois da prisão, negaram todas as acusações, exceto a realização de laqueaduras durante as cesarianas, que disseram ter feito sem cobrar. Não explicaram porque esses procedimentos não eram registrados nos prontuários das pacientes. A defesa dos médicos informou que eles não vão se manifestar por enquanto.
O que diz o Hospital São Patrício
Em nota, informa que "repudia qualquer forma de procedimento ilegal e continua à disposição para contribuir com as investigações".
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OS CRIMES
Corrupção
- Os médicos – dois obstetras e um anestesista – foram indiciados por corrupção por serem funcionários públicos cobrando valores irregulares. A secretária foi indiciada por participação em corrupção.
Associação criminosa
- A Polícia Federal (PF) entendeu que os quatro indiciados se associaram de forma organizada com fins de cometer crimes.
Estelionato
- O crime teria sido cometido por causa de falsificação de documentos, como os prontuários em que se dizia que as gestantes necessitavam de cesariana, quando isso não correspondia à verdade. A secretária não entra nesse crime.
Esterilização cirúrgica ilegal
- A realização de laqueaduras durante cesarianas, que teriam sido realizadas clandestinamente pelos médicos, não é permitida pela legislação. A secretária também está isenta desse crime.