Depois de cinco noites em casa, Érica Panceri, 32 anos, decidiu encerrar a reclusão. Mesmo receosa com a onda de assaltos, saques e mortes no Espírito Santo, saiu com o marido para jantar em um bar em Vitória. Antes, certificou-se de que haveria segurança, apesar da ausência da Polícia Militar nas ruas.
– Vim porque soube que o dono contratou policiais à paisana, que estão nas mesas como se fossem clientes – conta.
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Mesmo com as patrulhas contínuas promovidas por 1,9 mil homens, entre Forças Armadas e Força Nacional, na Região Metropolitana, poucos restaurantes e bares permaneciam abertos durante a noite, marcada por ruas quase desertas já a partir das 20h. Zero Hora circulou por cinco horas pela Grande Vitória na noite desta quinta-feira.
– A sensação de insegurança só vai passar quando a polícia voltar – diz Érica.
A noite de quinta foi a primeira de Érica nas ruas da capital capixaba desde o final de semana anterior, quando a greve da PM, deflagrada a partir de acampamentos de mulheres na frente dos batalhões, abriu espaço para a colapso da segurança pública, que deixou pelo menos 121 mortos no Estado, conforme dados da associação de PMs.
As cenas da violência viralizam via WhatsApp. Enquanto Érica janta, o marido Washington de Oliveira recebe mensagens no celular. São fotos e vídeos de homens e mulheres baleados, com membros decepados ou incendiados, carnificina registrada na periferia da Região Metropolitana.
– A moda é tocar fogo nos inimigos. Os saques pararam no Centro, mas lá na periferia, a situação segue tensa – relata o rapaz de 28 anos.
Um dos raros taxistas que se arrisca a rodar à noite, Washington não para em sinal vermelho. Qualquer carro de vidros fechados pode ser um assaltante em potencial. Na madrugada, depois de jantar com Érica, fez cinco corridas, todas com preço fechado, acima do valor usual. Quem arrisca abrir o aplicativo Uber a partir das 22h, só consegue deslocamentos curtos e em locais de classe média. A partir da meia-noite, o serviço quase para em Vitória.
Com o objetivo de reduzir o medo instalado nos capixabas, as Forças Armadas e a Força Nacional intensificaram as patrulhas. Ao todo, 106 viaturas circularam pela região metropolitana de Vitória, sendo três blindados. Do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, localizado em Vila Velha, na quinta-feira partiam veículos de transporte de tropas a cada hora. Com entre nove e 12 militares, armados com fuzis, os caminhões circularam pelas ruas do município, operação repetida no restante da Grande Vitória.
Zero Hora acompanhou uma das patrulhas. A velocidade variava entre 20 km/h e 60 km/h e o veículo só parava em caso de necessidade. Pela Avenida Carlos Lindenberg, ponto típico de engarrafamento, poucos carros rodavam por volta das 20h e o comércio seguia todo fechado. No caminho, os moradores que bebericavam cerveja nos poucos botecos estavam abertos batiam palmas para os militares.
A ronda teve duas abordagens em quase uma hora e meia. Na primeira, três rapazes caminhavam por uma rua escura e foram parados. Mãos na parede, pernas abertas, passaram na revista. Na segunda, foram mais três, igualmente liberados. Motociclistas também foram parados. Já o rádio dos militares estava mais agitado. Chegou a informação de uma perseguição a um homem armado, próximo de uma praia. Ele se embretou no mato e por lá ficou.
– Um camarada fugiu com uma camisa do Grêmio, numero 11. Ele está armado.
Nem toda patrulha terminou sem incidentes. O rádio trazia informações sobre um cabo atropelado por um motociclista em fuga. O incidente ocorreu no momento em que haveria uma abordagem. O militar teve ferimentos leves.
O trajeto da patrulha por Vila Velha passou por áreas comerciais, de classe média e poucos locais de periferia, uma reclamação dos moradores. A psicóloga Maria Eduarda, 31 anos, optou por circular à noite pela primeira vez na quinta-feira porque mora próximo do roteiro dos militares em rondas. Sem trabalhar desde a segunda, espera um retorno célere dos policiais militares.
– O Exército faz seu trabalho, mas ainda não chega nas periferias. Neste momento, é seguro para quem estar na rua? Estou numa área central, então fica mais fácil – conta.
Os militares dizem que, por ora, a situação é de não mergulhar nas periferias. Não foram acionados com esta finalidade.
– Estamos aqui reforçando a segurança – explicou em coletiva o general Adilson Carlos Katibe, que chefia a força-tarefa das Forças Armadas no Estado.
O objetivo do reforço é devolver a sensação de segurança, não substituir a PM, ou seja, tentar incentivar a retomada do comércio e dos serviços, concentrados em áreas centrais. Contudo, diante das críticas, até o final de semana, mais 900 homens chegam ao Espírito Santo para ampliar as patrulhas por outras regiões, em busca de dias e noites mais seguros para os capixabas.