Correção: Alexandre de Souza Costa Pacheco é juiz corregedor. A corregedora-geral da Justiça é a desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira. A informação incorreta permaneceu publicada entre 8h05min e 14h50min.
Aos 26 anos, um jovem da Região Metropolitana cumpre pena pela segunda vez dentro do abarrotado Presídio Central, onde a taxa de ocupação chega a 252% da capacidade. Em maio de 2014, ele roubou o celular de uma mulher para trocar por crack na boca de fumo. Antes de chegar ao destino, foi preso em flagrante pela Brigada Militar.
Após quase um ano cumprindo pena no regime fechado, progrediu para o semiaberto, onde diz que conheceu o inferno e preferiu fugir a morrer. Quinze dias depois, foi preso por roubo.
– Eu foragi do semiaberto com a intenção de me apresentar no Fórum. Mas acabei usando crack, aí já era, esqueci de tudo, nem pra casa voltei mais – contou.
O jovem ouvido pela reportagem é um dos que recaem no crime após passarem pelo sistema prisional. De acordo com levantamento do Tribunal de Justiça, em cada 100 condenações proferidas no ano passado em Porto Alegre, 42 foram com réus reincidentes. Significa que eles foram condenados pela segunda vez.
Em 2011, a reincidência foi de 31%, ou seja, 31 em cada 100 condenações. No Estado, o número de condenações com reincidentes chegou a 34,52% em 2015 contra 28% em 2011.
A reincidência é um dos aliados à crise no sistema carcerária que será debatido no Painel RBS desta quinta-feira. O evento, às 15h, será transmitido pela Rádio Gaúcha e pelas plataformas digitais do Grupo RBS.
Facções dominam
Para o juiz corregedor do Tribunal de Justiça do RS Alexandre de Souza Costa Pacheco, o problema é o próprio sistema prisional. Na avaliação do magistrado, a cadeia não cumpre com a função de recuperar criminosos.
– O problema é passar pelo sistema e sair pior do que entrou. Joga-se indivíduos fragilizados (usuários de drogas) que cometeram delitos dentro do encarceramento onde eles são cooptados pelas facções de forma imediata. Isso, depois, se volta contra própria sociedade.
A solução na avaliação dele, deve ser direcionada a políticas públicas de educação, emprego, saúde e inclusão social.
– Já existe uma segregação social, de indivíduos que não tiveram muitas oportunidades e já nasceram em ambiente fomentador de violência. Onde a violência impera, o estado não ocupa, as facções dominam – completou.
O professor e sociólogo Rodrigo de Azevedo, também destaca o domínio de grupos criminosos como fator preponderante na reincidência dos presos. Mas entende que há um perfil de pessoas que é alvo das prisões na rua.
– Outro elemento é a atuação da polícia direcionada aos indivíduos que já tem passagem. Isso tem que ser considerado na medida em que grande parte dos condenados por tráfico são os pequenos traficantes. Quando ele sai, muitas vezes, não tem outra alternativa. Como já está visado, acaba gerando esse entra e sai, o que não afeta a cúpula do mercado (de drogas).
"Aqui é uma escola do crime"
O jovem ouvido pela reportagem no Presídio Central começou a usar drogas aos 13 anos. A maconha foi a porta de entrada para o crack. Com pouca idade e muita liberdade, acabou se tornando viciado.
Com o tempo, largou os estudos e passou a frequentar os fumódromos de crack. Quando parou de receber dinheiro da família para sustentar o vício, passou a furtar e roubar.
– Tu roubou uma vez e deu certo? Vai voltar a roubar pra fumar, até ser preso ou morto – desabafou.
Em menos de dois meses praticando os delitos, foi preso pela primeira vez, aos 23 anos. Cumpriu 11 meses no regime fechado em três presídios do Estado e progrediu para o semiaberto.
Optou pela galeria dominada por uma facção menos "barra pesada". Mas teve medo de ser repreendido por ter trabalhado dentro da cadeia e decidiu fugir.
– A lei do crime é diferente, vocês não entendem. Os criminosos veem o cara que trabalha na cadeia como se estivesse do lado da polícia. No semiaberto o crime é de verdade. Tem uma trilha pelo mato onde levam arma e droga. Tem muita morte lá.
Embora afirme que nunca tenha se comprometido com facções, sabe bem a influência delas sobre a vida de quem ganha a liberdade.
– Me arrisco a dizer que mais de 90% dos presos vão retornar pra cadeia. Aqui é uma escola do crime, não recupera ninguém. Tu entra ruim e sai pior. Na cadeia tu aprende a roubar banco, traficar e matar. Aprende as artimanhas do crime porque convive com esses caras aí.
Faz um ano que o jovem ouvido pela reportagem está limpo do crack. Depois que retornou para o sistema, disse que decidiu escrever uma nova história, apesar da dificuldade de manter a mente serena em meio ao caos.
– Eu não vou voltar para o crime porque eu não estou mais usando droga. Vou fazer meus documentos, trabalhar e viver minha vida. Vai dar certo, vai sim. Eu vou fazer dar certo – concluiu com um sorriso confiante.
11 mil presos a mais
A população carcerária no sistema prisional do Rio Grande Sul ultrapassa as vagas calculadas pela engenharia e o teto máximo aprovado pelo Poder Judiciário.
De acordo com o relatório de agosto de 2016 disponibilizado ao Tribunal de Justiça pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), há 34,6 mil presos para serem acomodados em 23,5 mil vagas. São 11 mil pessoas saindo pelas janelas das unidades prisionais.
Embora existam 9,3 mil vagas sobrando em algumas casas, a Susepe alega que não é possível remanejar alguns detentos para unidades distantes da cidade de origem. Não há dinheiro para fazer o transporte toda vez que ele precisar comparecer a uma audiência.
Outro problema, na avaliação do juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Sidinei Brzuska é a distância da família. Para ilustrar, ele usa um exemplo simples ao perguntar para um dos detentos do Presídio Central quem é que leva o sabonete e a pasta de dente para ele.
– A minha esposa é quem traz. Se ela não trouxer, não tenho como tomar banho e nem escovar os dentes – respondeu o detento.
Judiciário é excluído em grupo de trabalho
Um decreto criando um grupo de trabalho para diagnosticar os problemas e apontar soluções ao sistema carcerário publicado na quarta-feira no Diário Oficial do Estado causou estranhamento aos membros do Poder Judiciário.
É que a instituição diretamente ligada ao sistema por meio de decisões, contato com os presos e fiscalização não foi incluída no decreto assinado por representantes do Governo.
O documento inclui a participação da Secretaria de Segurança Pública, Secretaria da Casa Civil, Superintendência dos Serviços Penitenciários, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público e Procuradoria-Geral do Estado.
O juiz corregedor Alexandre de Souza Costa Pacheco, disse que não entendeu o motivo da exclusão.
– Nada foi falado (no decreto) em relação Judiciário e nós lamentamos isso. O Judiciário tem sido parceiro em todos os momentos, participamos de todas as atividades e conhecemos bem os presídios – observou o juiz.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública se manifestou por meio de nota. Um ofício foi encaminhado ao Poder Judiciário para que integre o grupo de trabalho.
"O secretário Cezar Schirmer já oficiou o Poder Judiciário, a Secretaria Geral de Governo e a Secretaria da Fazenda, no sentido de que estas instituições façam parte do Grupo de Trabalho citado. O decreto será corrigido e novamente assinado pelo governador Sartori e publicado. A participação do Judiciário é de extrema relevância, pela interface estabelecida por este poder na questão do sistema penitenciário", disse a nota.
Painel discute crise no sistema carcerário
O Painel RBS Segurança Já desta quinta-feira debate alternativas para superar a crise no sistema prisional. Participam do debate o secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer, o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Sidinei Brzuska e o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto.
O debate ocorrerá das 15h às 16h30, na sede da RBS TV, e será transmitido ao vivo pela Gaúcha e pelas plataformas digitais do Grupo RBS.
A mediação será feita pelo editor de Segurança Pública do Grupo RBS e editor-chefe do Diário Gaúcho, Carlos Etchichury, e pelo comentarista da Rádio Gaúcha e colunista de Zero Hora Cláudio Brito.
Ex-prefeito de Santa Maria, Schirmer assumiu a Secretaria da Segurança no início de setembro, com a intensificação da crise na área após a morte da representante comercial Cristine Fonseca Fagundes, em 25 de agosto, durante um assalto enquanto buscava o filho na escola, na Capital.
Brzuska está há cerca de duas décadas trabalhando na execução de penas. Bortolotto esteve 17 anos na Promotoria de Justiça de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre. Ambos destacam-se pela busca de melhorias no sistema carcerário gaúcho.
Como parte da mobilização institucional e editorial "Segurança Já", os painéis têm como objetivo discutir alternativas para a redução da violência no Estado. As três edições anteriores trataram de violência, impunidade e roubo de veículos.