A representante comercial Karine Martins Fagundes Oliveira, 44 anos, aluna de pós-graduação da ESPM, enfrentou, na noite de terça-feira, duas situações de violência em Porto Alegre. Primeiro, foi pega em seu carro na saída da faculdade por três criminosos armados e agressivos. Depois de libertada, descobriu que estava em uma região onde moradores estão acuados e nem taxistas podem entrar. Insistiu para alguém abrir a porta e emprestar o telefone e teve de chamar a Brigada Militar para sair da Vila Maria da Conceição. Confira trechos da entrevista que ela concedeu a Zero Hora na manhã desta quarta-feira:
Como a senhora foi abordada pelos assaltantes?
Tinha estacionado o carro (um Cobalt) ao lado de um prédio novo, bem na ponta dessa rua nova, não é lugar ermo. Era 21h55min. Estava com o carro ligado, fazendo a manobra para sair, pois estava entre dois carros. Eles entraram correndo na rua de carro, até pensei: "que cara mal-educado, está vendo que quero sair e parou do meu lado". Aí saíram três guris armados. Me chocou porque é um horário de movimento, iluminado, bem na esquina, e eles desceram armados e abriram minha porta.
Tiraram a senhora do carro?
Eu travei, não conseguia sair, me puxaram pelos cabelos. Já é meu terceiro assalto à mão armada, mas esse foi o pior porque estavam muito agressivos. Eu comecei a gritar, ficaram brabos, um chutou as minhas pernas. Depois vi no grupo de WhatsApp da ESPM que o pessoal ouviu meus gritos. Me colocaram dentro do carro, um de cada lado meu e um dirigindo. E o carro deles, cor prata, foi na frente, com duas pessoas dentro.
O que eles diziam para a senhora?
Eu estava com medo, mas sob controle. Sentia dor na mão. Eles tiraram minhas joias, abriram a bolsa e começaram a perguntar onde estavam as coisas. Viram o Ipad, da minha empresa, novo, último modelo, recebi ontem (terça-feira) da empresa, e não tinha ainda a senha da Apple, do Icloud, e eles queriam. Ali eu me desesperei. Eu estava com a cabeça baixa, os dois com armas na minha cabeça, e eles pediram a senha. Me apavorei. Eu não sabia a senha, e eles achavam que eu estava mentindo. Diziam: "vamos te matar, tu quer morrer, está querendo dar uma de esperta? vai morrer". Gritavam e davam tapas.
A senhora explicou que era da empresa, que não sabia a senha?
Falei. Achavam que eu estava mentindo. Eu tentava digitar senhas que achava que o pessoal da TI podia ter colocado e errava. Diziam que eu ia morrer. Fiquei mais apavorada quando entraram na vila, que eu não sabia onde era. Tentei espiar, era um local escuro. Aí pensei que iam me matar. Porque eles não tinham nada a perder. Fiquei com muito medo. Mas aí o carro que estava na frente parou e mandou eles me largarem. Depois fiquei sabendo que a Brigada Militar já sabia do sequestro, acho que me largaram por isso. Ouvi eles falando: "deixa ela, larga ela". Quando vi, estava fora do carro, não sabia onde estava, um lugar ermo, escuro.
O que a senhora fez?
Batia nas casas e ninguém abria, todos com muito medo. Vi que uma senhora espiou pela janela, eu disse "pelo amor de Deus, me assaltaram, abra a porta". Me ajudaram, mas todos com medo. Pedi o telefone para ligar para meu pai, mas ela (moradora) disse que era muito perigoso ele entrar ali. Fiquei sabendo que taxista também não entra. Ela disse que tem constantes tiroteios, que não conseguem levar os filhos no colégio. Uma vizinha contou que não deixa o marido levar o filho na escola porque tem medo que eles (traficantes) confundam com algum inimigo e matem ele.
A senhora chamou a polícia?
Sim, acharam melhor chamar a polícia para me buscar. Demorou uns 10, 15 minutos para a polícia achar onde eu estava. E duas quadras depois acharam meu carro parado. E depois acharam esse carro (um Cerato cor prata, que teria sido usado pelos suspeitos, no Morro da Cruz) com essa mulher (suspeita que foi presa) e minhas coisas dentro.
Tinha uma mulher junto com os assaltantes?
Eu sabia que tinha alguém junto e só poderia ser ela, estava portando todas as minhas coisas. Não ouvi voz de mulher, ela não estava no meu carro. Recuperei tudo, menos o Ipad. Meu celular estava em casa, tinham levado do meu filho, mas recuperei. Estava tudo com ela. Os guris levaram o Ipad e minhas joias.
Qual a sua sensação hoje?
Insegurança, pânico. Tenho dois filhos, de 11 e 12 anos, e não lembro de na idade deles sentir medo. Mas eles já têm medo. A gente desce, eles ficam olhando para os lados. A gente está desprotegido. Não tem horário, não tem local, e a gente vê que eles (criminosos) não têm medo. Olha, um lugar de movimento, iluminado, tinha mais gente perto, eu ouvia gritos das pessoas.
São comuns assaltos na região?
É comum, já mataram um policial, a gente sabe que ocorre, mas tem o segurança da ESPM. E o local que coloquei era bem iluminado. Por isso, digo, tu não está seguro em nenhum lugar, nenhum horário. Acho que é questão de segurança pública mesmo, de investimento, porque eles estão sabendo que não vai acontecer nada. Parar o carro, descer três armados num horário que não é madrugada, que tem faculdade e com movimento de estudantes, é muita ousadia.
A senhora estuda à noite. Como será agora?
Não vou mais de carro. Vou de táxi. Foi muita pressão psicológica, a gente só pensa nos filhos nessa hora. Eu dei entrevista porque acho que as pessoas têm que falar, eu estou com medo, mas se a gente tiver medo, não colocar a cara e não falar, vai continuar piorando. As pessoas têm que falar. Porque está demais.