Fabrícia Signorelli*
Julho é o mês de conscientização sobre o TDAH, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Recentemente, frases como "eu tenho um pouco de TDAH", "conheço várias pessoas com TDAH" e "mas agora todo mundo tem TDAH" têm sido ditas e escutadas com maior frequência. Por quê?
Cada vez mais, a população tem acesso a informações por meio de diferentes canais e plataformas de comunicação. Buscar conteúdo com embasamento científico torna-se algo ainda mais valioso na era da informação dinâmica e em tempo real. Para entender um pouco sobre essas questões, precisamos começar pelo básico: o que é o TDAH?
É um transtorno do neurodesenvolvimento de causas genéticas e ambientes que cursa com alterações no funcionamento de áreas específicas do cérebro. O TDAH é um transtorno muito prevalente em todas as faixas etárias. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 11 milhões de brasileiros são afetados. A prevalência é estimada em 7,6% em crianças e adolescentes com idade entre seis e 17 anos, e 5,2% nos indivíduos entre 18 e 44 anos.
Os sintomas, obrigatoriamente, têm início na infância, embora possam aparecer de maneira mais leve, ficando mais evidentes na adolescência ou na vida adulta, etapas em que as pessoas precisam gerenciar suas próprias demandas. O transtorno cursa com sintomas de hiperatividade, impulsividade e desatenção. Algumas pessoas têm predomínio de desatenção, outras de hiperatividade e impulsividade, e algumas são acometidas pelas três manifestações, o que chamamos de apresentação clínica combinada. Somados a esses sintomas, podem estar presentes também as disfunções executivas, que são dificuldades de planejar, organizar e executar diferentes tipos de tarefas, prejudicando o rendimento da criança e do adolescente, em sala de aula, e dos adultos jovens, na faculdade e na produtividade no trabalho.
O TDAH também pode trazer prejuízos sociais ao longo da vida. A impulsividade pode tornar o comportamento inapropriado nas relações sociais.
Cuidado com as redes sociais
Os temas relacionados à saúde mental estão sendo cada vez mais divulgados, tanto por parte de profissionais de saúde, quanto pelo público leigo, que, através de suas redes sociais, relata e compartilha a experiência de ter o diagnóstico de TDAH. Sem dúvida, esse maior acesso a informações é importante, e muito válido, pois permite que mais pessoas passem a conhecer os sintomas e a procurar ajuda profissional. Mas é preciso ter atenção e filtrar os conteúdos de saúde publicados nas redes sociais, já que muitos não têm embasamento científico, o que pode confundir quem está em busca de informações ou fazer com que indivíduos sem TDAH criem a falsa sensação de ter o transtorno, o que muitas vezes leva ao autodiagnóstico e ao uso indevido de medicamento.
Há alguns anos, o TDAH era associado a um transtorno da infância. Porém, o problema na vida adulta vem sendo mais diagnosticado. O diagnóstico do TDAH é clínico, feito a partir do relato da história de vida do paciente, avaliando também as dificuldades e os prejuízos inerentes ao transtorno. Vale reforçar que o diagnóstico deve ser realizado por especialistas e o profissional precisa ter real conhecimento sobre o transtorno, para proporcionar uma avaliação adequada e um tratamento assertivo.
Desafio no diagnóstico
Um desafio importante na jornada até a descoberta do problema é que os sintomas de outros transtornos neuropsiquiátricos também podem ser confundidos com os de TDAH, como depressão, ansiedade, alterações do sono ou mesmo a sobrecarga de atividades. Em crianças, transtornos de aprendizagem, como dislexia e transtorno opositor, podem parecer com quadros de TDAH. Outro grande desafio é que muitos desses transtornos mencionados podem estar associados ao TDAH, o que dificulta o diagnóstico.
O tratamento vai depender da idade, da presença de doenças clínicas e outros transtornos psiquiátricos e das dificuldades que a pessoa apresenta. O tratamento farmacológico para TDAH pode ajudar muito na melhora dos sintomas e no dia a dia dos pacientes. A medicação aumenta o foco, eleva a concentração, reduz a distração, diminui a hiperatividade e impulsividade, além de melhorar o desempenho no funcionamento geral da vida cotidiana.
No Brasil, há dois grupos de medicações disponíveis para o tratamento do TDAH: os estimulantes (metilfenidato e lisdexanfetamina) e os não estimulantes (atomoxetina, que chegou ao Brasil em 2023). Ambos podem ajudar com os sintomas, aumentando os níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro. Somente o especialista terá propriedade para escolher o melhor tratamento farmacológico para cada paciente.
Estudos mostram que, ao longo da vida, o TDAH não diagnosticado e não tratado adequadamente pode causar prejuízos na vida escolar (reprovação, abandono), acadêmica e profissional, além de impactar negativamente na autoestima. A falta de tratamento também pode desencadear sensação de fracassos recorrentes, altas taxas de diferentes tipos de acidentes, exacerbação de comportamentos sexuais de risco, gravidez indesejada, uso abusivo de bebida alcoólica e a pré-disposição para o uso de substâncias ilícita. O TDAH, sem tratamento adequado, ainda pode dificultar o gerenciamento da vida financeira e aumentar o risco de desemprego. Infelizmente, nem toda a população tem acesso a uma avaliação de qualidade com especialistas em TDAH. A grande maioria, e aqui estamos falando de muitos brasileiros com TDAH grave, com trajetórias de dificuldades e sofrimento, não tiveram, e talvez nunca tenham, a possibilidade de receber diagnóstico e o tratamento adequados.
Portanto, é importante ressaltar que, sim, o TDAH existe e é um transtorno sério. E não, não existe "ter um pouco de TDAH", ou "todo mundo tem TDAH agora": o diagnóstico merece uma avaliação detalhada e feita por especialistas.
*Psiquiatra do Ambulatório de TDAH de Adultos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradora do Programa de Atenção a Primeira Infância da Unifesp