A influenciadora Virgínia Fonseca, 24 anos, usou as redes sociais para contar que foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) nesta quarta-feira (31). O cantor e marido da criadora de conteúdo, Zé Felipe, 25 anos, enfrenta o mesmo quadro. Segundo dados da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), cerca de dois milhões de pessoas possuem TDAH no Brasil, mas muitas delas não sabem.
Durante muito tempo, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) foi considerado uma condição que afetava apenas as crianças. No entanto, com o avanço das pesquisas sobre o tema, atualmente, já se sabe que também é possível uma pessoa na fase adulta ser diagnosticada com o distúrbio, como é o caso da influenciadora e do marido. Os sinais do transtorno na fase adulta podem ser facilmente confundidos com outras condições.
— O adulto com TDAH é a criança que não foi acompanhada ou devidamente diagnosticada. Quando adulto, devido à urgência e aceleração da vida, a tendência é que o transtorno fique mais evidente e provoque ainda mais limitações ao indivíduo — diz Andréa Ladislau, psicanalista e pós-graduada em Neuropsicologia.
Em entrevista a GZH em dezembro de 2023, o professor de Psiquiatria na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diretor do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e vice-coordenador do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), Luis Augusto Paim Rohde, falou sobre o significado do diagnóstico:
— O diagnóstico de TDAH nos permite entender o que está se passando com a pessoa, mas isso não vai justificar determinadas situações. Vamos ter de trabalhar para melhorar as dificuldades do indivíduo e também acomodar algumas coisas na sociedade para poder acolhê-lo.
Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno neurobiológico, o TDAH é um transtorno que causa mudanças na região frontal do cérebro, ou seja, altera a conexão entre o corpo humano e as funções cerebrais desempenhadas por esta área da mente.
— Para definir as causas do TDAH, é preciso fazer uma investigação completa, de forma individualizada. No entanto, as causas mais comuns estão relacionadas a algumas pequenas alterações na região frontal do cérebro, que controla ou inibe os comportamentos inadequados e amplifica nossa capacidade de prestar atenção, memorizar, ter autocontrole, ser organizado e planejar — explica a psicanalista.
Diagnóstico em adultos
Apesar de o diagnóstico em adultos ser diferente do realizado com crianças, devido à intensidade dos sintomas, causada pelo diagnóstico tardio, nesta fase, também é importante estar atento aos hábitos que são recorrentes e estão afetando a vida cotidiana. Isso ajuda a identificar o transtorno e evitar que os sintomas se agravem.
— O TDAH não é o fim do mundo […]. Estando consciente dos pontos fracos, dos pontos fortes, do que é um hábito indesejado, ou mesmo, fora de controle, é possível criar estratégias para minimizar os impactos e seguir uma vida mais saudável. O ponto é reconhecer hábitos, atitudes e comportamentos que o limitam — declara.
Quanto ao fato de alguns adultos já terem realizado exames quando crianças e não obterem nenhum resultado de TDAH, mas na fase adulta serem diagnosticados com o transtorno, a especialista explica que o fato pode estar relacionado à intensidade do transtorno.
— Cada caso é um caso e precisa ser investigado; porém, a explicação pode estar no fato de que, na infância, os sintomas eram muito leves, ao ponto de serem imperceptíveis ou mesmo não apresentarem limitações que dificultaram o dia a dia do indivíduo — evidencia Andréa Ladislau, que expõe existir outra possibilidade, a de outras comorbidades terem se sobressaído em relação ao TDAH.
Sintomas do TDAH em adultos
Conforme a psicanalista Andréa, o conjunto de sintomas do transtorno é extenso e pode variar de pessoa para pessoa. Portanto, nem todos os pacientes com TDAH têm os mesmos sintomas, mas, entre os adultos, os mais comuns são:
- Desatenção
- Problema de organização e planejamento
- Procrastinação
- Déficit de memória
- Inquietação interna
- Dificuldade para relaxar
- Começar várias coisas e parar no meio
- Dificuldade para gerenciar emoções e tomar decisões
- Repetir erros frequentemente
- Resistência à interação
— [Na fase adulta] os sintomas ficam mais perceptíveis, até mesmo porque somos seres sociais e, desta forma, estamos nos relacionando a todo momento, o que faz com que atitudes e comportamentos desconexos fiquem mais evidentes aos olhos do outro, gerando os desconfortos. E, se não os tratar, podem se intensificar cada vez mais — explica Andréa Ladislau.
Tipos de TDAH
Atualmente, existem três tipos de TDAH reconhecidos pela ciência, e cada um deles é caracterizado por um conjunto de comportamentos e sintomas. A psicanalista Andréa Ladislau explica:
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: quando o indivíduo pode apresentar dificuldade para se concentrar, ter foco e finalizar tarefas. Essa condição pode afetar o desempenho acadêmico e profissional dos pacientes
- TDAH hiperativo/impulsivo: neste caso, a pessoa sente a necessidade de se movimentar o tempo todo e costuma ficar inquieta. Ao estar sentada, a pessoa fica movimentando as pernas a todo segundo, sem controle de suas ações, ou, pelo menos, sem a consciência dessa ação. A impulsividade também é muito frequente, tanto que esse indivíduo tem uma forte tendência a se inquietar e interromper falas, por pura ansiedade
- TDAH misto/combinado: junção da desatenção com a hiperatividade e a impulsividade. Aqui, o paciente apresenta todos os sintomas dos dois tipos de TDAH anteriores ao mesmo tempo
Nas redes sociais, Virginia falou que seu diagnóstico era de TDAH e hiperatividade. Ela disse, porém, que a segunda parte não era uma novidade para os seguidores, que estão acostumados a ver a influenciadora sempre em movimento e realizando diferentes tarefas ao mesmo tempo.
Tratamento para TDAH em adultos
O tratamento para o transtorno é indicado mediante o prévio diagnóstico de um profissional. Este é realizado a partir de uma profunda análise do estilo de vida do paciente, pois existem diversos mecanismos para combater os efeitos da condição e melhorar a adequação dos hábitos. Entre alguns deles:
- Praticar exercícios regularmente
- Ter uma boa higiene do sono
- Alimentar-se de forma saudável
- Criar os próprios espaços para atividades (o que fará com que se sinta seguro e evite dispersões)
- Planejar-se com agendas e listas organizadoras de atividades
- Trabalhar a memória com jogos específicos que também auxiliam a desenvolver o foco e as habilidades cognitivas
- Tomar cuidado para não se envolver em várias atividades ao mesmo tempo e sempre concluir o que iniciou
— A terapia, tanto para os adultos quanto para as crianças, é fundamental, exatamente para identificar quais os déficits são mais recorrentes e definir a conduta de tratamento. Se a intensidade e o número de sintomas associados forem mais elevados, o profissional especializado poderá desenvolver, com o paciente, alguns mecanismos de apoio para auxiliar a vencer suas limitações diárias — diz a psicanalista.
Consequências da falta de tratamento
Tratar o TDAH é importante para manter o bem-estar do indivíduo e o convívio social, uma vez que boa parte dos sintomas causados pelo transtorno alteram as suas ações e, quando não reconhecidos, geram outros obstáculos. Isso porque a pessoa pode, muitas das vezes, se sentir culpada por não entender as próprias atitudes.
— As consequências do TDAH em idade avançada, quando não tratado, estão associadas aos outros sintomas que a condição pode trazer, como depressão, pânico, fobia social, alterações severas de humor, distúrbios alimentares, perda severa da memória, esquecimentos, entre outros — conclui Andréa.