André Islabão (*)
Quem não conhece essa história? Uma pessoa desenvolve um sintoma qualquer — como uma dor de cabeça diferente ou uma insônia que a deixa acordada durante boa parte da noite — e resolve buscar ajuda. Como não tem um médico de referência a quem possa se dirigir, o desenrolar da história acaba sendo muito previsível: consultas a vários médicos apressados que trocam a escuta atenta por uma série interminável de exames, receitas e encaminhamentos, muitas vezes sem tentar descobrir a história de vida por trás daquele sintoma. O resultado é desperdício de recursos e insatisfação com o sistema de saúde.
Como resposta a essa situação, surgiu a Slow Medicine. Inspirado pela Slow Food, a primeira menção ao termo em nível mundial foi feita em 2002 pelo cardiologista italiano Alberto Dolara, e não demorou para que o movimento chegasse a outros países incluindo o Brasil, onde essas ideias são difundidas desde 2014 pelo site da Slow Medicine Brasil (slowmedicine.com.br), o qual é diariamente acessado por centenas de profissionais e leigos que desejam conhecer mais sobre o assunto.
Para que se compreenda a beleza dessas ideias, é preciso conhecer os princípios defendidos pelo movimento. O primeiro é o tempo, o qual é fundamental não apenas em termos de quantidade, mas também de qualidade. Isso significa usar com sabedoria o tempo disponível. Entre os princípios defendidos pelo movimento, estão ainda a autonomia dos pacientes, a individualização dos cuidados, o conceito positivo de saúde, as medidas preventivas, a qualidade de vida, uma relação médico-paciente forte, a paixão pela medicina e a compaixão pelos doentes, além do uso parcimonioso das tecnologias.
A Slow Medicine não é uma especialidade médica, mas sim uma forma mais humana de se fazer medicina. Não espere encontrar médicos “especialistas em Slow Medicine”. Também não se deve imaginar que essa seja uma forma elitista de fazer medicina que só pode ser praticada na saúde privada. Essa filosofia pode ser aplicada sempre que os profissionais tenham as condições mínimas para exercerem a medicina. Assim como a Slow Food busca muito mais do que uma refeição desapressada (suas ideias originais pregam a produção sustentável de alimentos, a defesa de pequenos produtores e o uso de produtos locais e sazonais), a Slow Medicine defende aspectos fundamentais como a sobriedade no uso dos recursos, o respeito pelos valores e preferências dos pacientes e a justiça na distribuição dos recursos. E isso não é pouco!
Ponto de equilíbrio entre o excesso de uns poucos e a escassez de muitos
Se adotássemos de forma mais ampla os princípios da Slow Medicine na prática médica e na gestão dos recursos da saúde, resolveríamos inúmeros problemas que assolam pacientes, médicos e gestores. Além disso, assim como as práticas sustentáveis defendidas pela Slow Food também podem proteger nosso ecossistema, os princípios defendidos pela Slow Medicine podem promover a sustentabilidade de nossos sistemas de saúde, atualmente ameaçados pelos custos astronômicos. Convenhamos que uma ideia que possa ao mesmo tempo agradar médicos, satisfazer pacientes e defender a sustentabilidade do sistema de saúde deve ser levada muito a sério.
A Slow Medicine não é uma volta romântica a um passado onde a medicina era menos brilhante. Assim como a Slow Food não visava acabar com a Fast Food, também a Slow Medicine reconhece as situações médicas em que a rapidez e a alta tecnologia são bem-vindas. Trata-se de usar o bom senso para encontrar um ponto de equilíbrio mais justo entre o excesso de uns poucos e a escassez de muitos. O que buscamos é um caminho do meio onde todos tenham acesso àquilo de que realmente precisam.
A pessoa descrita na abertura do texto certamente seria muito bem acolhida por um profissional slow, o qual formaria uma aliança terapêutica, controlaria os sintomas, acompanharia atentamente a evolução do quadro e realizaria aqueles exames que fossem realmente necessários. É esse zelo pelo paciente, pela profissão e pelo sistema de saúde que torna a Slow Medicine tão especial.
Mesmo as ótimas ideias podem demorar alguns anos para darem seus frutos. Porém, quem andar atento pelas cidades de hoje pode enxergar ecos da Slow Food em coisas simples como as feiras livres que se multiplicam pelos bairros, o setor de produtos orgânicos presente em qualquer supermercado e até mesmo a proliferação de pequenos produtores de alimentos ou de cervejas artesanais. É emocionante pensar nos inúmeros benefícios que a Slow Medicine pode trazer para a saúde ao abraçarmos essa ideia!
(*) Médico internista, integrante do movimento Slow Medicine Brasil e escritor, autor do livro “Entre a Estatística e a Medicina da Alma” (2019)