Boldo auxilia na digestão, camomila acalma a pessoa, chá verde emagrece. O grupo de chás usados com o objetivo de resolver desconfortos e problemas de saúde é grande e há séculos faz parte da rotina de pessoas em todo o mundo. Especialistas dizem que a bebida é, de forma geral, saudável. No entanto, é preciso ter atenção à ideia de que não faz mal à saúde por ser algo "natural".
Isso porque o vegetal tem características próprias, que demandam conhecimento e, em alguns casos, acompanhamento de um médico para evitar danos graves. Outra preocupação dos estudiosos é o uso de "chás milagrosos" que prometem perda de peso em pouco tempo.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem uma cartilha sobre o assunto. Segundo o órgão, os chás de plantas são separados em três grupos principais:
- Fitoterápicos ou chá medicinal: são medicamentos e precisam de aprovação da Anvisa para venda em farmácias e drogarias
- Alimentícios: vendidos em mercados na forma de sachês ou prontos para consumo. Não são medicamentos.
- Plantas medicinais: dão origem às duas primeiras; são comercializadas secas, embaladas, identificadas pelo nome botânico em farmácias e ervanarias. Não são medicamentos.
Na definição da Anvisa, uma planta é medicinal quando tem substâncias que podem "prevenir, curar ou tratar doenças". Quando se obtém um medicamento a partir de uma planta medicinal, este é chamado fitoterápico. Leandro de Avila Minozzo, médico, nutrólogo e professor de Medicina da Universidade Feevale, lembra que nem todo vegetal pode virar um medicamento.
— Para que de uma planta se origine um chá medicinal, é necessário um processo de avaliação de segurança e de mínima efetividade por no mínimo 30 anos ou a planta constar em listas nacionais e internacionais — explica.
Por serem medicamentos, os fitoterápicos são comercializados em cápsulas, comprimidos, pomadas ou xaropes, constituídas pela planta ou seus derivados e outras substâncias que componham a formulação farmacêutica. O fato de um chá (fitoterápico ou alimentício) ser "natural" não significa que não possa fazer mal à saúde do paciente, pontua Minozzo: como qualquer substância, o uso inapropriado pode ocasionar problemas.
— Pessoas com doença renal crônica e com problemas de coração precisam ter cuidado com os chás medicinais. Há determinados componentes que podem interferir com o anticoagulante varfarina: por exemplo, o boldo, a erva de São João, a camomila e o guaco apresentam essa ressalva. O chá de melissa pode interferir na pressão arterial — acrescenta.
Comunicação com o médico
Eduardo Luis Konrath, farmacêutico e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), usa outro exemplo de prejuízo ao tratamento de paciente:
— Acontece de a pessoa com diabetes que utiliza um hipoglicemiante (medicamento para controlar a glicemia) receber indicação de uma planta "boa" para o tratamento. No entanto, a planta pode causar interação com o medicamento e ocasionar interferência no resultado terapêutico.
Ou seja, no lugar de ajudar no controle da doença, a indicação prejudica o trabalho clínico. Por isso, Konrath acrescenta, é importante o paciente informar ao médico o uso do chá para que um não prejudique o outro. Além da interação citada, o uso excessivo apenas de plantas medicinais também pode desencadear danos à saúde.
— Tomar vários produtos ao mesmo tempo também pode causar surgimento de reações adversas e efeitos tóxicos não previsíveis. Além disso, pode ocorrer retardo no diagnóstico de doenças. Uma pessoa que está tomando um chá para febre pode estar mascarando outra doença, por exemplo — afirma o professor.
Dvora Joveleviths, hepatologista e coordenadora de pós-graduação da UFRGS e Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), diz que os chás comuns no país – de erva doce, de camomila, de funcho – são "saudáveis" e não há problemas no uso diário. Ela alerta que problemas quanto à ingestão estão relacionados à quantidade e o objetivo de utilização das plantas:
— As pessoas querem consumir um ou dois litros de chá para emagrecimento. Isso passa a ser tóxico, porque a quantidade também influencia. Tomar um, dois ou três chazinho por dia, tudo bem, mas tomar litros e litros não é saudável.
Tomar vários produtos ao mesmo tempo também pode causar surgimento de reações adversas e efeitos tóxicos não previsíveis. Além disso, pode ocorrer retardo no diagnóstico de doenças.
EDUARDO LUIS KONRATH
Farmacêutico e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Dvora se dedica a estudar a hepatotoxicidade, ou seja, lesões no fígado causadas por medicações ou toxinas. Segundo ela, o órgão pode ser prejudicado com o excesso de consumo de certos tipos de chá, o que pode se relacionar ao desenvolvimento de quadros graves, como hepatite medicamentosa. A maca peruana é citada por ela como uma bebida que pode oferecer risco se consumida em grandes quantidades.
— Por vezes, os chás vêm com contaminações, como micotoxinas e componentes externos, o que não o torna a planta tão natural quanto a gente pensa que é — acrescenta Dvora.