Paulo Roberto Prates (*) e Paulo Roberto Lunardi Prates (**)
A incidência de malformações cardíacas é de 1 a cada 100 nascimentos, portanto se estima que no Brasil nasçam por ano cerca de 30 mil crianças com cardiopatia congênita. Que é a principal causa de morte na infância e a terceira no período neonatal, ou seja, os primeiros 30 dias de vida.
O coração do bebê se forma nas primeiras oito semanas do início da gestação. Nesse período, podem ocorrer malformações, denominadas cardiopatias congênitas. Mesmo sendo nessa fase precoce da gestação, o bebê pode ter um desenvolvimento adequado dentro do útero, pois a circulação intrauterina é diferente da circulação após o nascimento. Em quase sua totalidade, após o nascimento, necessitarão de alguma intervenção, seja cirúrgica, ou por hemodinâmica, a cateterização. No momento da transição da circulação fetal para circulação fora do útero é que essas malformações terão expressão clínica mais evidente, o que torna o diagnóstico precoce de grande importância para um planejamento adequado do tratamento.
As manifestações da doença cardíaca congênita são muito variáveis, podendo ocorrer logo após o nascimento ou mais tarde, na infância ou na adolescência. O diagnóstico pode ser feito durante a gestação com o exame de ecocardiografia fetal, que avalia a anatomia e função do coração do feto dentro da barriga da mãe. A nova legislação determinou a incorporação desse exame no Sistema Único de Saúde (SUS), porém, infelizmente nem sempre está disponível. O diagnóstico pré-natal das cardiopatias congênitas aumenta de maneira significativa as chances de sobrevivência do bebê. O teste do coraçãozinho, disponível amplamente no sistema de saúde, quando realizado nas primeiras 48 horas após o nascimento pode diagnosticar precocemente condições graves.
Em mais de 90% dos casos, as doenças do coração do bebê não têm relação com fatores de risco ou comportamentais que possam desenvolver essa condição. Mas o uso de álcool, cigarro, algumas medicações, doenças como sífilis e rubéola adquiridas durante a gestação e condições maternas como diabetes, hipertensão e idade avançada aumentam o risco.
As cardiopatias congênitas são classificadas em leves, moderadas e graves. Quarenta por cento dessas crianças precisarão cirurgia ainda no primeiro ano de vida. O momento ideal para o tratamento depende do tipo, da gravidade da cardiopatia, além do estado clínico e desenvolvimento da criança portadora. Falta de apetite, ganho de peso e crescimento inadequado e cianose (oxigenação inadequada) — que faz com que criança a apresente uma cor mais pálida e lábios roxos — são sinais que podem estar presentes e que indicam a necessidade de tratamento.
Cirurgias cardíacas em crianças são realizadas em centros altamente especializados, com equipes multidisciplinares. Algumas patologias vão necessitar cirurgias complexas logo nos primeiros dias de vida. Quando feita no momento certo, a intervenção cirúrgica pode resultar na correção completa do problema sem limitações para criança, resultando na reabilitação e no crescimento adequado.
O SUS oferece tratamento completo para todas as patologias cardíacas infantis, mas devido à dificuldade de exames diagnósticos, complexidade e alto custo dos tratamentos associados, bem como a carência de recursos, os centros especializados não comportam toda a demanda, o que coloca esse tipo de patologia com uma das principais causas de morte na infância em nosso país. O Programa Renasce (Rede Nacional de Saúde Cardiovascular Especializada na Cardiopatia Congênita) busca qualificar a assistência e ampliar o acesso ao tratamento. Atualmente, há 68 unidades habilitadas pelo Ministério da Saúde para realizar cirurgias cardiovasculares pediátricas no país. O Rio Grande do Sul é referência no Brasil no tratamento de crianças com doenças cardíacas.
(*) Cirurgião cardiovascular do Instituto de Cardiologia e Membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM)
(**) Cirurgião cardiovascular do Hospital da Criança Santo Antônio e do Instituto de Cardiologia, integrante do programa novos talentos da ASRM
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH, GZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março de 2022, com a reportagem "Câncer: do diagnóstico ao tratamento", e agora foi renovada para mais uma temporada. Uma vez por mês, o caderno Vida vai publicar conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA. De diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia etc), esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.