O Brasil é o terceiro país do mundo com o maior número de pacientes hemofílicos e por isso o dia 17 de abril, data mundial alusiva à doença, é tão importante. A hemofilia é uma doença considerada um distúrbio de coagulação, ou seja, é a deficiência de produção de uma das proteínas que ajudam a coagular o sangue, parando o sangramento. Existem diversas proteínas no sangue, portanto, são vários os distúrbios de coagulação. A hemofilia é um desses.
De acordo com a médica hematologista e responsável técnica do Hemocentro do Estado do Rio Grande do Sul (Hemorgs), Clarissa Ferreira, existem dois tipos de hemofilia. O tipo A é correspondente a deficiência do fator 8 e o tipo B corresponde ao fator 9. É possível haver deficiências de outros fatores, mas os da hemofilia são os mais importantes porque são as alterações que provocam mais sintomas clínicos. No Rio Grande do Sul, atualmente existem cerca de 700 pessoas portadoras de hemofilia A e em média 200 com a hemofilia B.
Além disso, a doença possui níveis de gravidade entre leve, moderado e grave. De acordo com Clarissa, não há um nível mais comum, mas os casos graves são os que mais impactam na vida do paciente. Em casos graves, a doença se caracteriza pela falta total de produção dos fatores 8 ou 9.
— Esses pacientes vão ter um risco de sangramento às vezes sem precisar ter uma batida ou ter um trauma, o sangramento pode ser espontâneo. Essa é a principal característica da hemofilia grave — explica a hematologista.
Os principais sangramentos que pacientes graves de hemofilia têm acontecem dentro do músculo, os chamados hematomas musculares, ou dentro das articulações, as hemartrose. Esses sangramentos podem ocasionar a corrosão dos ossos e a destruição das cartilagens. A longo prazo, os pacientes com hemofilia grave, se não tratados, têm grandes chances de ter comprometimento articular.
Nos casos leves e moderados os sangramentos, geralmente, são ocasionados após algum trauma, como queda e batida, ou em procedimentos cirúrgicos. Esses pacientes tendem a ter uma vida mais tranquila e um dia a dia sem grandes intercorrências. No entanto, em um simples tropeço podem ter a chance de um sangramento maior. A hematologista ressalta ainda, que para fazer qualquer tipo de cirurgia, extração dentária ou um procedimento mais invasivo é necessário tomar medidas previamente para evitar o sangramento.
Causas
A hemofilia é uma doença de causa genética e hereditária. A pessoa que nasce com a doença vai conviver com ela para sempre. Além disso, é uma doença que acomete principalmente o sexo masculino, por ser ligada ao cromossomo X.
— O homem tem o cromossomo X e o Y e, se ele carrega aquela alteração no X, irá manifestar a doença. Já a mulher tem dois X, então ela pode ter um com a doença e o outro normal, que geralmente é o que acontece. A mulher então não manifesta a doença, ela só carrega o gene. É só portadora de doença — explica Clarissa.
De acordo com a hematologista, não há fatores ambientais que interfiram no surgimento da doença, mas existem algumas condições individuais que fazem diferença na característica do sangramento. Portanto, não há como prevenir que uma criança nasça com hemofilia.
Sintomas
Casos graves de hemofilia normalmente são descobertos ainda na infância em razão da recorrência dos sangramentos. Existem alguns sinais que os pais podem se atentar para identificar a hemofilia tanto em bebês quanto em crianças maiores. Nos bebês, o surgimento de roxos pelo corpo com frequência, principalmente em áreas onde são segurados pelos pais, podem ser sinais de sangramentos internos característicos da hemofilia. Na hora do parto também pode haver o risco de sangramento.
Após esse período, a queixa mais comum dos responsáveis que leva a identificação de um quadro de hemofilia são as intercorrências com a vacinação ou a coleta de exames. Se após tomar uma vacina ou tirar sangue, por exemplo, a área do corpo da criança costuma ficar roxa e inchada, pode ser um sintoma da doença.
— As vezes tem famílias que não tem histórico, que nunca tiveram ninguém com hemofilia. Às vezes na formação daquela criança apareceu a mutação, então a família nem sabe que existe a doença — afirma Clarissa.
A hematologista também explica que apesar de não ser o que define a hemofilia, sangramentos externos que não cessam também podem acontecer.
— Se for um corte muito profundo, vai ser um sangramento de difícil controle. Mas o sangramento por corte todo mundo nota e procura logo o atendimento. Já o da hemofilia, como é um sangramento mais profundo, o grande problema é que ninguém vê o sangue e às vezes nem o roxo — completa.
Diagnóstico
O diagnóstico de hemofilia é considerado simples. Quando existe a suspeita da doença pelo quadro clínico da criança, a primeira coisa a ser feita são as provas de coagulação para verificar o tempo que o sangue leva para coagular. Existem dois exames para fazer isso, o Tempo de Atividade da Protrombina (TP) e o Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA). Esses testes são os primeiros que vão direcionar para o diagnóstico da doença pois vão apresentar alteração em casos de hemofilia.
— Quando eu vejo uma criança ou um adulto com queixa clínica de sangramento e tem esse exame alterado, eu preciso pedir a dosagem dos fatores de coagulação. É a partir desse resultado que eu fecho o diagnóstico. Pacientes com hemofilia vão ter menos de 40% do fator 8 ou 9, quando vem abaixo disso nós temos o diagnóstico — explica a médica.
Tratamento
O tratamento padrão dos casos graves é basicamente uma prevenção repondo a proteína que o corpo não produz. Os pacientes com hemofilia recebem uma medicação intravenosa que é um concentrado do fator 8 ou 9. A frequência de aplicações pode variar a depender do perfil de sangramento e da quantidade. Segundo Clarissa, o objetivo do tratamento é evitar os sangramentos e, consequentemente, as lesões articulares.
Apesar do tratamento, o corpo não volta a produzir a proteína necessária para a coagulação, portanto, não há cura para a doença e o uso da medicação de reposição de fatores é contínuo por toda a vida do paciente. Além disso, não há uma idade específica para começar a prevenção contra os sangramentos. No entanto, as medidas utilizadas na prevenção da hemofilia são mais indicadas para o período em que as crianças começam a engatinhar ou caminhar, que é quando os sangramentos ficam mais aparentes.
É comum que os pacientes adultos que fazem o tratamento atualmente não tiveram acesso à medicação quando eram crianças e acabaram sangrando muito nos primeiros anos de vida. Essas pessoas hoje em dia têm dificuldades de caminhar, precisaram fazer cirurgia para colocar prótese de joelho ou têm dor crônica por consequência das lesões articulares. Sendo assim, quanto mais cedo o paciente começar o tratamento, mais chances ela terá de levar uma vida com mais qualidade.
A responsável técnica pelo Hemorgs destaca ainda que nos últimos anos há uma melhora no desenvolvimento de novos tratamentos para a doença.
— Tem vários medicamentos novos surgindo, medicamentos que duram mais tempo no organismo, então precisa fazer menos vezes. Tem também medicamentos que não são na veia e sim subcutâneos. E já tem aprovado no exterior a terapia gênica. Esse sim seria um tratamento de cura para esse pacientes — detalha Clarissa.
O medicamento utilizado no tratamento da hemofilia é fornecido pelo Ministério de Saúde e o procedimento terapêutico desses distúrbios é feito totalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a hematologista, os pais têm direito de ter essa medicação em casa pois a rapidez com que o remédio é aplicado é importante para controlar com mais agilidade o sangramento.
— Ali no hemocentro a gente procura e incentiva o pai, a mãe ou algum outro familiar a aprender a achar a veia e fazer o remédio. Isso para que os próprios pais ou a família consigam conter ou controlar essas situações em casa de forma mais rápida e não precisar ir até um hospital ou emergência — explica.
Pode acontecer situações em que o sangramento é muito grande e é necessária a aplicação de várias doses por dias, diante disso, a internação pode ser recomendada. Para garantir uma vida plena para os pacientes hemofílicos o diagnóstico precoce é o mais importante para uma doença como essa.
— Que os pediatras e os médicos que atendem pensem nessa condição e façam o encaminhamento. Isso é o que vai fazer a grande diferença — finaliza Clarissa.
Produção: Rochane Carvalho