Embora representem cerca de 10% da população mundial, muitos mistérios ainda pairam sobre os canhotos. Não se sabe ao certo a origem dessa característica, se eles têm mais ou menos habilidades. O que a ciência sabe é que são pessoas que têm a lateralidade, área psicomotora associada à consciência de que o corpo tem dois lados, esquerda.
O cérebro humano é formado por dois lados, o hemisfério direito e esquerdo, e são eles os responsáveis por definir se uma pessoa vai ser canhota ou destra. De acordo com o médico do Hospital Moinhos de Vento e professor de neuropediatria da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) João Ricardo Hans Massena, existe um cruzamento de funções, ou seja, para saber qual é o seu lado dominante basta pensar no oposto da sua lateralidade.
Canhotos têm uma maior especialização do hemisfério direito enquanto os destros apresentam essa característica no hemisfério esquerdo. No seu lado de preferência, a pessoa terá habilidades mais desenvolvidas como força, precisão, velocidade e coordenação dos movimentos.
A professora do curso de Fisioterapia da Universidade Feevale Simone de Paula Dillenburg, acrescenta que o conceito do canhotismo está muito atrelado à dominância manual, ou seja, a lateralidade de uso das mãos. Em relação às outras partes do corpo, não há uma regra e isso vai depender das experiências e práticas do indivíduo. Alguns podem ter lateralidade cruzada, ou seja, escrevem com a mão direita e chutam melhor com a perna esquerda. Isso é considerado resultado da prática individual ao longo da vida.
O que determina a lateralidade do corpo?
Segundo Simone, ainda não há consenso científico sobre essa questão, mas é possível dizer que existem dois fatores principais que interferem na lateralidade de cada pessoa: o ambiental e o genético.
Em relação à questão genética, o neuropediatra explica que cerca de 10% das crianças filhas de pais destros serão canhotas. Já quando um dos pais é canhoto, 20% dos filhos terão a lateralidade esquerda dominante. Esse percentual sobe para 25% em casos em que mãe e pai têm preferência pelo lado esquerdo do corpo. Ou seja, a hereditariedade tem um papel relevante nesta definição, mas não é determinante.
Por outro lado, a experiência do indivíduo ao longo da vida e os fatores ambientais influenciam diretamente na preferência ou dominância manual. Além disso, segundo Massena, só é possível determinar com precisão se alguém será canhoto, destro ou até ambidestro a partir dos seis anos de idade. O período anterior a isso é usado como experimentação pelas crianças até definirem suas preferências.
Dificuldades enfrentadas por canhotos
Não fazer parte do grupo da lateralidade dominante majoritária na sociedade pode acarretar uma série de dificuldades corriqueiras no cotidiano. Em média 90% das pessoas são destras, portanto, o mundo acaba sendo feito de destros para destros. Isso faz com que pessoas canhotas precisem estar constantemente se adaptando.
— As crianças terão dificuldades numa sala de aula porque a classe não é para ela, terão dificuldade com uma tesoura, com um caderno. Quando chegam na vida laboral, podem ter dificuldades com os maquinários, por exemplo. Antigamente os canhotos eram considerados pessoas desajeitadas e atrapalhadas, mas era só porque os equipamentos não haviam sido desenvolvidos para eles. Culturalmente, isso foi vigente por muito tempo — detalha o professor da Unisinos.
Muitos desses itens já são fabricados com adaptações tendo em vista as pessoas canhotas, mas ainda não são realidade na maioria dos lugares. Fora isso, a fisioterapeuta também ressalta que, para o canhoto escrever, é necessário que a pessoa faça uma flexão maior do punho ou uma verticalização do papel, evitando que a mão passe por cima da escrita sujando de tinta ou borrando o que foi escrito. Na fase escolar, Massena destaca também a importância dos professores conseguirem oferecer possibilidades de aprendizagem que apoiem as crianças.
Não troque a sua lateralidade dominante
De acordo com os especialistas não é recomendado, nem correto, fazer a reversão para se tornar destro. Conforme Simone, além de seguir seus determinantes genéticos, cada pessoa deve desenvolver habilidades e a preferência conforme suas vivências e experiências.
— A reversão para tornar-se destro só está indicada na presença de uma deficiência adquirida, como em casos de amputações ou em uma sequela de AVC, em que o indivíduo deve ser treinado e estimulado a utilizar o membro contralateral à sua dominância manual para fins de conquista da independência e autonomia nas atividades do dia a dia — completa a fisioterapeuta.
Em algumas profissões, como cirurgiões, pode ser necessário que o profissional treine e pratique determinados procedimentos e movimentos com as duas mãos, mas são casos bem específicos. Massena também reforça que não deve haver uma imposição a respeito da lateralidade das crianças. Os pais devem reconhecer e apoiar a lateralidade definida naturalmente.
— Quando a família, ou até o professor, tentar forçar que a criança escreva com a outra mão, pode haver a lateralidade discordante. Quando a criança é canhota ela tem o hemisfério cerebral direito dominante, ela vai começar a desenvolver as habilidades com o lado esquerdo, a família tenta impor que ela desenvolva melhor o outro lado e ela até pode começar a escrever com a mão direita, mas o restante do corpo vai continuar preferindo o lado esquerdo — explica o neuropediatra.
Além disso, essa medida pode acarretar em uma série de prejuízos para o desenvolvimento infantil. As crianças podem ter problemas no sistema corporal, com a direção gráfica na hora da escrita. Outros problemas são a confusão na compreensão de direita e esquerda, as dificuldades na coordenação motora fina e até os problemas de postura. Soma-se a isso, a necessidade de fazer algo em que não é habilidosa pode gerar complicações emocionais.
E quem é ambidestro?
Segundo Simone, pessoas ambidestras são aquelas que não apresentam predomínio claro de dominância cerebral e acabam usando os dos dois lados do corpo. Apenas 1% da população integra esse grupo. De acordo com Massena, grande parte desse grupo só possui essa habilidade porque foi ensinada a utilizar também o lado não dominante.
Mitos sobre ser canhoto
Ainda hoje, existem muitos mitos sobre o canhotismo. Alguns acreditam que são pessoas mais criativas em razão do hemisfério cerebral direito, que é o lado responsável pela intuição e criatividade. Além disso, há crendices que indicam os canhotos como pessoas mais inteligentes e introvertidas que os destros. De acordo com os especialistas, até existem alguns estudos que avaliam os aspectos sociais e comportamentais dos canhotos, mas ainda não se chegou a nada conclusivo sobre essas afirmações.