A quinta maior incidência de câncer no Brasil ocorre nas estruturas da cabeça e do pescoço, estatística que levou o Ministério da Saúde a instituir, por meio da Lei Federal 14.328, o Julho Verde, mês de combate a esse problema de saúde pública. Falar em câncer de cabeça e pescoço é se referir àqueles tumores localizados nessas partes do corpo, principalmente na região da via aerodigestiva superior, ou seja, onde se desenvolvem as funções de boca, laringe, faringe, esôfago cervical e nasofaringe, por onde passa o alimento e o ar.
Para o médico Ricardo Kroef, chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a inclusão da data no calendário do governo é uma conquista para a sociedade. Agora, o desafio é passar da realização de campanhas de conscientização e diagnóstico para a instrumentação do Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a oferecer assistência aos pacientes.
— Foi uma vitória porque o tema passa a ser destaque. Passando a ser uma data oficial, reconhecida pelo Ministério da Saúde, passa a ter uma atenção especial para que se consiga dar seguimento ao tratamento das pessoas que na campanha são diagnosticadas com uma lesão suspeita — comenta Kroef.
Causas e prevenção
Tabagismo – O principal inimigo é o tabagismo. A composição do cigarro contém centenas de substâncias com potencial de causar esse tipo de doença. No ato de fumar, as estruturas do sistema aerodigestivo são expostas a agentes cancerígenos, que agridem a região, alterando o RNA das células, levando à gênese de um câncer. Quanto maior a quantidade (número de maços) e o tempo de consumo, maior o risco de ocasionar uma mutação. Conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), hoje o câncer de boca é o quinto mais frequente entre os homens.
HPV – Ricardo Kroef aponta que, recentemente, tem se observado maior incidência de câncer de cabeça e pescoço em um público mais jovem e não tabagista devido à presença do papiloma vírus humano (HPV). De acordo com o médico, a infecção viral, quando evolui para um câncer, tende a acometer a região da orofaringe, que contempla parte da faringe, a base da língua e a região das amígdalas.
— Uma das discussões que se tem é estender a vacinação do HPV, que é feita já em meninas, para meninos, em idade mais precoce, na tentativa de tornar a pessoa imune ao HPV — aponta o especialista.
Exposição solar – O câncer de pele é o que apresenta maior crescimento em diagnóstico e pode se originar na região da cabeça e do pescoço, que em geral recebem maior quantidade de radiação solar, por estarem mais desprotegidas no dia a dia. Uso diário do protetor solar é a forma de se prevenir.
Etilismo – O consumo, em especial de bebidas destiladas, mas também de bebidas fermentadas em grande quantidade, é outro potencializador da doença. A explicação é semelhante a do tabagismo, com o tempo, o álcool também provoca agressões às células. Beber com moderação é a recomendação.
Exposição à radiação – Profissionais da área da radiologia e pessoas geograficamente próximas a acidentes radioativos têm maior propensão a desenvolver câncer na região, principalmente de tireoide, que é mais frequente em mulher e está entre os tipos da doença cuja incidência é uma das que mais cresce no mundo. A prevenção passa por usar equipamento de proteção individual, seguir as recomendações técnicas e, nos casos de acidente radioativo, seguir as orientações das autoridades.
Sintomas
Deve-se suspeitar de câncer na região aqueles que apresentarem feridas que não cicatrizam em mais de duas semanas, dificuldade para engolir durante longo período e o surgimento de nódulos, especialmente no pescoço. Kroef destaca que, nos casos de câncer nas estruturas do aparelho aerodigestivo, as lesões podem não ser aparentes, por se tratarem de órgãos internos. Essa é uma característica que pode levar ao diagnóstico tardio da doença:
— Uma coisa muito importante associada a esses tumores é a presença de gânglios, de nódulos no pescoço. Quando eles aparecem, eles já podem ser uma manifestação secundária desses tumores, ou seja, o tumor está na via aerodigestiva, mas já apresenta ramificações, metástases para gânglios cervicais. Então, alguns desses tumores, a gente vê que o primeiro sinal pode ser já um gânglio no pescoço, mesmo antes de a gente fazer o diagnóstico da lesão onde se iniciou.
Diagnóstico e tratamento
Especialmente para o público com maior risco de desenvolver câncer, é importante a manutenção de exames frequentes das estruturas aerodigestiva por meio de inspeção, ou com auxílio da tecnologia, recomenda o médico:
— Todo paciente, fumante, acima de 50 anos, deve fazer esse exame anualmente. Além de toda aquela pessoa que sentir, uma dor ou sangramento, uma dificuldade para engolir, deve também procurar médicos especialistas para fazer esse exame: que são os otorrinolaringologistas e os cirurgiões de cabeça e pescoço — orienta.
O tratamento é sempre multidisciplinar. Envolvem-se várias modalidades terapêuticas, conforme o estágio da doença e a localização. Normalmente, para que se trate esse câncer precisa-se de radioterapia, quimioterapia e cirurgia, muitas vezes sequenciais, ou até concomitantes.
São tumores que sempre vão apresentar algum tipo de sequela no seu tratamento. Por mais bem realizado que o atendimento seja feito, o paciente terá alguma consequência do ponto de vista funcional ou do ponto de vista anatômico, por conta dos efeitos das terapias.
Além disso, são pacientes que necessitam de atenção multidisciplinar, pois em algum momento vão precisar de reabilitação por meio de fonoterapia, suporte nutricional e, em alguns casos, atendimento psicológico.
Produção: Állisson Santiago